segunda-feira, 29 de julho de 2013

"Pim, pam, pum!"



Uma das grandes vantagens de se ser criança é a forma simples como se gerem conflitos nesta fase. Se há um desacordo, a coisa resolve-se mediante fáceis e lógicos critérios de decisão arbitral usados, geralmente, pela ordem que se segue:

1.      O mais velho, porque é mais velho, decide e pronto;

2.      O mais velho, porque é mais velho e é maior, ameaça partir para a violência e pronto;

3.      O mais velho, porque é mais velho, é maior e é mais forte, dá uma palmada nos outros e pronto.

Nos casos (esporádicos) em que não é obtido um consenso após a aplicação das medidas anteriores recorre-se a um indiscutível 'pedra-papel-tesoura' ou a uma 'lenga-lenga'.

Quem dera a nós, adultos, seres aborrecidos e complicados, podermos erguer-nos a meio de uma reunião de trabalho e gritar:

"Pim, pam, pum, cada bola mata um, p'rá galinha e p'ró perú, quem se livra és mesmo tu! Ganhou o Fonseca. Vamos almoçar. O último a chegar à cantina é uma batata podre!"

Cá em casa, a Té, na sua condição de mais nova, mais pequena, mais fraca e com (ainda) limitadas capacidades oratórias criou uma lenga-lenga muito simples que lhe garante a obtenção da razão. Reza assim:

"Pim, pam, pum. Sou eu!"

Resulta? Não, mas toda a gente se ri. E quem conquista a simpatia dos outros conquista a sua boa vontade. Há melhor modo de levar a nossa avante?


brotherhood



“Mããããeee! O ‘iago’ bateu-me!”

“Tiago! Bateste à Té?...”

“Não.”

A Teresa aproxima-se, chorosa, apontando para o antebraço:

“Bateu, bateu. Aqui, 'óia'.”

“A Té diz que bateste…”

“Não bati.”

“Então onde é que ela foi buscar esta ideia?”

“Talvez a ontem.”

sexta-feira, 26 de julho de 2013

"Verdinho é que é bom!"


Cá em casa, sopa, só se for passada e sem verdes. Não interessa o que lá ponho dentro desde que o resultado seja um creme amarelinho. Espinafres, agriões e ervilhas estão vetados sob pena dum “Mãe... não gosto desta sopa… porque é que fizeste sopa VERDE?”

Podia ser um problema generalizado com o verde, mas não. No que toca a doçarias, o bolo de eleição é qual? Bolo de chocolate? Bolo de iogurte? Bolo de laranja (amarelinho como a sopa)? Não. O bolo preferido é verde. Verde, do mais verde que se possa imaginar. Tão verde que parece estar carregadinho de corante. E porque é que é tão verde? Porque é feito com um grande molho de espinafres ou agriões. Verdes. Verdíssimos. Odiados na sopa, adorados quando misturados com açúcar, farinha e ovos. Dá para perceber? Não, mas há muito que desisti de tentar entender algumas das estranhas opções da minha prole.

Terça feira. Oito da noite. Entro em casa e sou cumprimentada com um:

"Mãããe! Podes fazer bolo verde? Por favooor..."

"Posso. Um destes dias."

"Hoje!"

"Hoje? Nem pensar. É tardíssimo e ainda tenho de tratar do jantar."

"O pai disse que podias..."

"Jura..."

"Podes?"

"Não tenho espinafres."

"O pai disse que ias buscar num instante ao Supermercado."

O André, que está sentado no sofá, contempla o infinito de modo a se desviar do meu olhar fulminante.

"A Té vai compá com a mãe e vai ajudá a fazê os quéque."

"Afinal querem bolo ou queques?"

"Queques!" – respondem em uníssono, pai incluído.

Boa. Dezenas de forminhas para encher com a ajuda da Té...

Estou tão cansada que nem consigo argumentar. Meto o jantar no forno e parto em busca dos espinafres.

Já passa das onze quando terminamos a última fornada de queques verdes. Atiram-se a eles como se não comessem há dois dias.

"Parem de comer, por amor de Deus... faz-vos mal."

"Mal? São de espinafres, mãe! Fazem muito bem. Podemos comer mais um?"

segunda-feira, 22 de julho de 2013

rearview mirror



Dez da noite. Partida do Douro com destino a casa após mais um fim de semana de sol e calor.

O Tiago teme pela integridade da carrinha a subir a encosta nas mãos da mãe. Repete a recomendação que ouviu da boca do pai:

“Atenção, que há muita areia no caminho. Faz as curvas com cuidado…”

À medida que o carro avança não se coíbe de transmitir indicações:

“Agora devagar… isso, muito bem.”

“Olha o muro…”

“Achas que consegues passar aí?”

“Estamos quase lá em cima… é melhor recolheres os espelhos…”

“O motor está a fazer um barulho esquisito… cuidado…”

Respira fundo quando chegamos, finalmente, à estrada. Sinto que ultrapassei (em muito) as suas expectativas no que respeita às minhas capacidades de controlo de veículos em percursos difíceis.

“Mãe…”

“Sim, Ti… alguma nota adicional?”

“Não será melhor manteres os espelhos recolhidos? Para não os estragamos.”

“Meu querido, os espelhos não existem para enfeitar. São fundamentais para ver os outros carros.”

“Ok. Para ver os outros carros e também pessoas próprias.”

O Tommy, que, até então, indiferente à possibilidade de resvalarmos precipício abaixo, tinha vindo grudado num Alcatel - comprado nas Festas do Marco aos Hipergémeos Ferreira SA, num pack que incluía além do ‘telemobél vranco’, um secador de cabelo em ‘cromonic’ e uma (imagino que utilíssima) máquina de fazer baínhas - entra na conversa:

“Pessoas próprias?”

“Sim, Tomás. Pessoas próprias. Não digas que não sabes o que é…”

“Não, não sei. Sei o que são nomes próprios…”

Regressa ao menu de contactos do brinquedo novo. Brinquedo dos três, entenda-se, com cartão recarregável (mais uma gentileza dos manos Ferreira) para ser usado em situações esporádicas. 

O Tiago explica:

“Uma ‘pessoa própria’ é aquilo que uma pessoa vê quando está em frente ao espelho. Quando olhas para o espelho do carro vês os outros carros e também vês a TUA 'pessoa própria'. Percebes?”

O Tommy ri e acena afirmativamente.

O Tiago sorri, satisfeito. Sente-se sempre feliz quando tem oportunidade de partilhar o seu saber.

O Alcatel toca.

“Ena! Já recebemos chamadas!!! Atendo eu!"

“Eu também quero falar!”

“Dá o fóne a mim!”

"Larga, Té!"

Olho-os pelo retrovisor enquanto se debatem pelo valioso aparelhinho. Respiro fundo e faço sinal à minha 'pessoa própria' para ter paciência. Ainda há uma hora de viagem pela frente.


quinta-feira, 18 de julho de 2013

because i'm bad



O Tiago está empolgado com a ideia de passar para o ‘edifício dos grandes’ e aproveita toda e qualquer oportunidade para o demonstrar:   

“Teresa, já te disse que para o ano estás SOZINHA? Eu já vou lá para cima, para o pé do Tomás!”

A Teresa tem reagido sempre do mesmo modo, franzindo o sobrolho e murmurando um (aparentemente) desinteressado “nahh”. Por mais ambientada que esteja ao colégio não me parece que se sinta preparada para a ausência do irmão. Até porque, enquanto em casa são gato e rato, na escola entendem-se às mil maravilhas.

“Ti, não continues a dizer-lhe isso, que a fazes ficar triste…”

“Mas é verdade!”

“Eu sei, mas a Té é pequenina e ainda não compreende bem as coisas. O melhor é deixar andar e quando começarem as aulas vais ver que vai acabar por encarar o facto de não estares lá com normalidade.”

‘Deixar andar’ é algo que não encaixa no seu vocabulário. As verdades não podem ser camufladas. Principalmente aquelas que irritam a irmã. Abana a cabeça e diz:
  
“Teresa, podes não compreender mas TENHO de te explicar: quando voltares à escola vais descobrir que estás sozinha na infantil e vais ficar triste. MUITO triste.”

Ela é pequena e pode não perceber nada acerca de anos escolares mas percebe perfeitamente quando a estão a provocar. E aí, em substituição do (aparentemente) desinteressado “nahh", puxa a mão atrás.

“Mãe!!! A Teresa bateu-me!!!”

Bateu, sorriu, deu meia volta e foi à sua vida. Já percebeu que vai chegar um momento em que vai ficar triste. MUITO triste. Enquanto esse momento não chega é bom que não voltem a tocar no assunto. Porque ela é má. MUITO má.


segunda-feira, 15 de julho de 2013

The unbearable difficulty of being



Almoço em família no Shopping. Tento, com esforço, manter alguma ordem por entre os tabuleiros apetrechados de menus McDonalds:

“Água para aqui, água para ali, ice-tea para o Tommy… palhinha para o ice-tea… palhinha para a água? Não há? Oh,diabo… espera, estão aqui. Pronto, palhinha para a Té, palhinha para o Ti… ketchup, quem quer? Um para cada um, mais é exagero. Té, não comeces pelo ketchup, se fazes favor… essas batatas não são tuas… deixa o teu irmão em paz… dá cá o boneco do Gru! Cuidado, não entornes a água…”

Sento-me e começo finalmente a almoçar. Aproveito uns segundos de silêncio para as recomendações do costume:

“Têm de se portar bem. Para isso basta que os mais novos tentem não chatear muito os mais velhos e que os mais velhos tentem ter paciência para os mais novos…”

A Teresa mergulha, mais uma vez, o indicador no ketchup e leva-o à boca enquanto olha os irmãos de soslaio como quem “se pensam que vou parar de vos atazanar o juízo estão bem enganados…”

Finjo que não a estou a ver e continuo com a conversa:

“A Té tem de parar de chatear o Ti e o Tommy. O Tommy tem de ter paciência para a Té e para o Ti…”

O Tiago interrompe-me:

“E eu, tenho de não chatear um e ter paciência para o outro!”

Estende os braços, deixa descair os ombros e desabafa:

“Eu bem digo que é complicado. Quando há três meninos, para o do meio é ‘muito difícil ser’.”


sábado, 13 de julho de 2013

"Quando for grande..."



Vá-se lá saber porquê, o Tiago tem andado a pensar se vai querer ou não casar-se. Decisão difícil e antecipada que se junta à de vir a ser 'Pai' ou 'Doutor', sendo que esta última já está a ser equacionada há algum tempo.

No que toca ao casamento, fez uma lista de prós e contras, em que os contras eram claramente superiores aos prós (e isto só pode evidenciar uma de duas coisas: ou a sua cabecinha está, efectivamente, demasiado organizada para a idade ou o meu exemplo como 'esposa' não é dos mais brilhantes...).

Hoje, a caminho da praia, entre as suas considerações habituais, encontrou aquela que achou ser a solução ideal:

"Já sei. Vou casar. Vou casar com uma 'empregada'. Como ela vai saber fazer tudo muito bem em casa eu não vou precisar de fazer NADA!"

"Não é mal pensado, mas é preciso que ela concorde com isso. E que goste de ti. E tu dela."

"Sim, claro. Vou encontrar uma que tenha chapéu cor de rosa, lábios vermelhos e cabelo amarelo e esticadinho."

"Sim, senhor. Vamos ter uma nora loira, vaidosa e prendada!"

Sorriu com uma expressão de satisfação e dever cumprido e continuou o seu caminho.

Felizmente, ainda lhe falta uma eternidade para descobrir que o amor não se escolhe. Acontece. Geralmente contra todos os planos e expectativas. Chega sem aviso, quando menos o esperamos. Se, nesse momento, vier de chapéu cor de rosa, tanto melhor.


De onde raio veio essa?


O Tommy está, desde que chegou ao Algarve, a antecipar a angústia da partida:

"Quando é que voltamos para casa, pai?"

"Domingo..."

"Que pena... e a que horas é que saímos?"

"Não sei."

"Já não vamos à praia no domingo?"

"Provavelmente não. Se tivermos tempo ainda paramos em Lisboa."

O Ti que parece alheado da conversa (anda a jogar um jogo novo do qual apenas sei que envolve tácticas de futebol com 'ganenses' e 'nigerences') pousa o iPad nos joelhos e pergunta estupefacto:

"Lisboa?! Já foi reconstruída?"


quinta-feira, 11 de julho de 2013

"Vem aí um..."



O fim de tarde chega fazendo tombar o sol e trazendo consigo a maré alta. Aquela massa de água morna que ondula lentamente até se desfazer em espuma convida ao último banho do dia. Até eu - a 'rainha do toldo', como o meu prezado marido faz questão de me chamar - não resisto a entrar no mar mais uma vez.

O Tiago deixa-se levar na corrente por uns segundos e sorri por entre as duas braçadeiras fluorescentes que o convencemos a enfiar. Por mais que se sinta um Mark Spitz, dois para três não é uma proporção segura pelo que não lhe damos outra alternativa se quer andar fora de pé. Vira-nos costas e avança para sul de nariz no ar. O André dá algumas braçadas e alcança-o rapidamente. Ao ouvir o pai aproximar-se solta um:

"Pelo barulho só pode vir aí um leão ou uma lontra..."

O Andre emerge e abraça-o voltando-o para si.

Agarra-se-lhe ao pescoço e confirma:

"Uma lontra!"


segunda-feira, 8 de julho de 2013

"não dá mesmo para esperar?..." II



Viagem para o Algarve. Primeira 'pit stop' na Mealhada. O Ti quer ir à casa de banho. O pai vai com ele. Quando está, vai sempre o pai, não facilito.

Só quer fazer xixi. Menos mal. O André decide ensinar-lhe a técnica de levantar a tampa da sanita com o pé:

"Pezinho no ar, força na perninha, tampa lá em cima sem sujar as mãos!"

"Ok!"

Executa o movimento sem dificuldade até ao momento da finalização em que, ao recolher a perninha, perde o equilíbrio e enterra o pé na sanita...

Chega ao carro exibindo orgulhoso a sapatilha molhada. O par de reserva está a 'anos-luz', nos confins da mala. Finjo que não vejo. Quem não vê, não sabe. Quem não sabe, não pode fazer nada... e... também já só faltam 400 km.


sábado, 6 de julho de 2013

"não dá mesmo para esperar?..."




Eu sou uma adepta confessa de fraldas. Se dependesse de mim usávamos fralda até atingirmos a idade de conseguir utilizar uma casa de banho pública com autonomia.

Há cenário pior do que um carrinho cheio de compras, um carrinho de bebé, uma criança com 8 anos e uma criança de 3 que pede para fazer cocó numa casa de banho de um Continente?

Há. Basta substituir a criança no carrinho por uma menina que também quer ir à casa de banho e a criança de oito anos por um rapazinho que tem vergonha de entrar com a mãe numa instalação sanitária destinada a senhoras.

Vivo isto cada vez que vou com os três às compras, não há como evitar. Assim que nos encaixamos numa fila de caixa o Ti começa a saltitar de um pé para o outro...

"Mãe, tenho de ir à casa de banho..."

Tento, sempre, contrariar a coisa...

"Estamos quase a ir para casa... não aguentas até lá?"

Dramático, como só ele sabe ser, responde com um:

"Estou a fazer força MÁXIMA! Mas NÃO dá para aguentar!"

É nesta altura que começo a ser olhada de lado como a megera que está a impedir a pobre da criança de cumprir uma necessidade básica. Em função do tamanho da fila tomamos uma das seguintes decisões: encostar o carro e partir em direcção ao wc ou deixar o Tommy com as compras a guardar o lugar.

À chegada à casa de banho a Té é, invariavelmente, activada por um reflexo pavloviano:

"Qué fazê titi!!!"

Por vezes opto pela dos deficientes. Tem mais espaço de manobra mas tenho consciência do risco de, enquanto estou a forrar a sanita com papel, se lembrarem de agarrar o fiozinho de emergência na parede e activarem sabe-se lá que procedimento de ajuda a um deficiente em dificuldades. 
Até hoje ainda não aconteceu mas, como há pouco que não nos aconteça, sei que ainda vamos viver esse momento. Depois conto como foi.


sexta-feira, 5 de julho de 2013

"how old are you?"



Pergunto ao Tommy se quer falar com o tio-avô que faz hoje anos. Afirma que sim com um grande sorriso. Agarra imediatamente no telefone:

"Estou?! Olá! PARABÉÉÉÉNS!!!"

É um animal social, este meu filho. Nunca me deixa ficar mal.  

Mais depressa penso eu nisto, mais depressa ele dispara um:

"Quantos anos fazes?"

Pergunta a não fazer a mulheres com mais de 30 e homens com mais de 40... registar para transmitir.

Após a resposta do lado de lá da linha:
.
"Chiça!... Pensei que não tinhas tantos..."

Antes que se enterre mais ordeno-lhe que passe o telefone aos irmãos. Nada melhor para limpar a imagem do que ser substituído por alguém com potencial para fazer muito pior. Opto por ir arrumar a cozinha e deixo os outros dois a dizer baboseiras. 

Desculpa lá, tio. Ao menos deu para perceber que, para 'tantos' anos, estás muito bem conservado ;-)