quarta-feira, 28 de agosto de 2013

dinner for two




O Ti está a preparar uma refeição para os irmãos no ‘restaurante’ que acabou de improvisar no corredor. Uma mesinha redonda, duas cadeiras, um turco a servir de toalha, uma jarra no centro e dois pratinhos cheios de sugos e smarties.

Quando me vê, rasga um enorme sorriso e aponta, orgulhoso, para o seu trabalho:

“Achas que vão gostar? Vou chamá-los!”

Corre em busca dos ‘clientes’ e trata-os com a devida deferência:

“Senhora Teresa, senhor Tomás, podem vir comer. Está tudo pronto!”

O Tommy e a Té sentam-se mas antes que consigam agarrar o primeiro smartie, o irmão interpela-os:

“Aguardem um pouco, por favor. Vou buscar um pouco de arroz para acompanhar. É melhor, não é, mãe?”

Controlo o riso e aceno-lhe afirmativamente. Arroz com sugos e smarties é melhor do que sugos e smarties sem mais nada. Enquanto procuro uma máquina fotográfica para registar o momento vejo o Tiago a passar, compenetradíssimo, com o arroz que sobrou do jantar.

“Aqui têm o acompanhamento. Está delicioso! Se desejarem carne, façam o favor de me pedir. Consigo arranjar.”

De seguida pega em dois guardanapos brancos e coloca-os sobre os ombros:

“Que é isso, Ti? Um libré?"


“Não! É o meu ‘hálito’ de empregado!”

sexta-feira, 23 de agosto de 2013

Sugar Crush!


O Candy Crush é estranha e doentiamente viciante. Quem experimenta não resiste a tentar o nível seguinte e as centenas que se seguem. O conceito é básico: mover peças de modo a juntar um mínimo de três. As peças são docinhos de cores apelativas. Cada boa jogada é acompanhada por explosões de doces e uma voz profunda que nos congratula com expressões como 'Sweet!', 'Delicious!' ou 'Divine!'.

Como se não bastasse o facto de nos agarrar, o raio do jogo faz fome.  À custa da brincadeira voltei a ter vontade de comer gomas. Horas de vida perdidas e um par de quilos a mais. Só vantagens.

Acabo de passar o 350. Não jogava nada com tanta vontade desde 1985, ano em que o Tetris entrou na minha vida por via de um PC da IBM. À parte uns dois ou três (ou cinco ou seis) níveis feitos pelo meu rico marido, cheguei mais longe do que muitos. Eu, a chata que estava sempre a criticar tudo quanto era jogo. Tudo se paga nesta vida, cada vez tenho menos dúvidas disso.

As crianças apresentam uma maior imunidade ao Candy Crush do que os adultos, o que não é difícil de perceber. Têm milhares de outras coisas divertidas para fazer e uma destreza que lhes permite jogar jogos de consola pelo que, estar a juntar docinhos num touch screen não é coisa que os faça perder muito do seu imenso tempo livre.

Cá em casa, tudo começou com os miúdos a descarregarem a App. Aquilo que era, aparentemente, apenas mais um dos muitos joguinhos que surgem todos os dias depressa agarrou pais, avós, tios e primos. Tudo joga, minha gente! Vidas para uns, vidas para outros, "...passa aqui este nível que eu não consigo...","...envia-me uma autorização para mudar de episódio...", "...já estou à tua frente, lá lá lá...".

Em resumo: o CandyCrush tomou as nossas vidas por tempo indeterminado. Digo indeterminado pois, por mais que avancemos, o jogo não acaba. Cada actualização vem com novos níveis estendendo, de novo, o fim da linha. O pai vai na frente. Cerebral como poucos, é capaz de passar os níveis que se afiguram impossíveis aos comuns dos mortais. Cada vez que estamos em apuros chamamos o André que, com mais ou menos esforço, resolve o problema.

O Ti é o mais 'candyaddicted' dos três irmãos. Não só adora jogar como está sempre atento ao ranking. Sabe quem vai à frente de quem, seja familiar, amigo ou amigo de amigo. Por isso, o bolo do seu sexto aniversário (20-08) não podia deixar de ser um CandyCrushCake.



Happy Birthday! Sugar Crush!



quinta-feira, 22 de agosto de 2013

no more bananas



Trinta segundos depois de estendermos as toalhas na areia a Té solta um invariável:

"Tenho fome..."

Por 'Tenho fome' entenda-se 'Procura aí o homem das bolas de berlim. A minha é sem creme.'

Faço-me, invariavelmente, de desentendida e ofereço algo que esteja dentro do saco da praia. Desta vez trouxe fruta:

"Uma bananinha?"

"Não góto de banana!"

"E desde quando é que a menina não gosta de banana?"

"Dêde agóra."

terça-feira, 13 de agosto de 2013

mission for Ti



Casa da Barra. O trio junta-se aos primos. 

Praia, surf, passeios de bicicleta e muita brincadeira conjugam-se e explodem numa alegria e excitação sem limites. Pessoalmente, sinto-me a assistir ao vivo a um episódio do 'Verão Azul'.

Os finais de tarde são, normalmente, o momento eleito para a batalha de nerfs. Atrás de cada esquina há alguém armado até aos dentes pronto a atingir o 'inimigo'. 

O Ti e o Johnny são sempre os primeiros a desistir. Abrigam-se na sala onde aproveitam para se agarrar à Wii. Enquanto escolhem o jogo, indiferentes às balas que continuam a surgir (sim, porque dissidentes continuam a ser alvos e alvos indefesos são os predilectos), conversam sobre uma 'missão'.  

“João, não sabes o que é uma missão?!”

“Não.”

O Tiago explica, com a complacência que se exige a um primo mais velho:

“Uma missão é dar uma 'explorada' pela casa.” 

quinta-feira, 8 de agosto de 2013

"trick or treat?"



O Tiago não gosta de chocolate. Não gosta de bolachas com creme. Não gosta de gelados. Não gosta de rebuçados. Não gosta de mousse. Não gosta de pudim. Não gosta de leite-creme. Não gosta de pizza. Não gosta de ketchup. Não gosta de sumos.

Salvo algumas, pouquíssimas, excepções (assim de repente só me lembro de McNuggets, batatas fritas, e, como ele diz, 'guarshmallows') o meu filho do meio não gosta de nada que seja considerado pouco saudável. Um copinho de leite simples (nem muito frio, nem muito quente) e um pão branquinho são o suficiente para que fique satisfeito.

Eu não tenho nada a apontar, muito pelo contrário, mas ele incomoda-se com o facto de não ter vontade de comer aquilo que é, à partida, suposto todas as crianças gostarem.

Dou por mim, com alguma frequência, nas idas ao supermercado, a tentar convencê-lo a provar guloseimas.

“Ti, já viste estas gomas aqui? És capaz de gostar…”

“Acho que não, mãe.”

“A Té góta!”

“Eu sei que 'a Té gosta' mas tu já tens aí os teus Kinder. Estou a falar com o Tiago. Olha aquelas em forma de ossinhos! São branquinhas...”

“Têm açúcar por fora, mãe. Bem, posso sempre lavá-las. Lisinhas e 'secadinhas' talvez fiquem boas.”

“Talvez não, filho. Vamos procurar outras.”

O resultado é sempre o mesmo. Um pacote dos marshmallows de sempre para o Ti, a Té e o Tommy agarrados a um variado conjunto de chupa-chupas, gomas e chocolates e alguém a olhar de lado para mim como a anormal que está a incentivar as crianças a comer porcarias.

Este verão, no Algarve, o Tiago descobriu que gosta de tostas mistas. Para quem, num café, nunca conseguiu pedir mais do que um triângulo de fiambre foi uma vitória.

Há dias, em casa da avó, anunciou que podia lanchar uma tosta mista. Com a salvaguarda de ser bem temporada (sim, porque o rapaz é complicado).

“Temperada?”

“Não, avó. Tem-po-ra-da. Bem temporada.”

“E o que é uma tosta mista bem temporada?”

“É uma tosta mista como eu gosto. Nem tempo a mais, nem tempo a menos.”

Lógico, não é? Eu temporo, tu temporas, ele tempora. Temporamos a tosta mista para que se vejam os 'risquinhos' mas não queime em demasia.

Acho que vou continuar a pedir triângulos de fiambre.


terça-feira, 6 de agosto de 2013

shoppingphobia



Longe vão os tempos em que ir ao ‘El Corte Inglés’ era algo que só acontecia uma vez por ano numa ocasional viagem a Espanha. Era um sítio mágico, o único onde podíamos encontrar um piso INTEIRO só com brinquedos. Mesmo que saíssemos de lá sem nada sonhávamos durante semanas com aquelas prateleiras recheadas de cores e com aquelas etiquetas verdes e brancas a mostrar a imensidão de pesetas que se interpunha entre nós e o descapotável da Barbie ou o castelo de Grayskull.

Hoje em dia, com um Shopping em cada esquina, essa magia desapareceu. Para um miúdo, ir ao Corte Inglês é sinónimo de tempo de vida desperdiçado.

“Mãe, para onde é que estamos a ir?”

“Vamos às compras.”

“Às compras?... Onde?”

“Ao Corte Inglês.”

“Oh, não! O Corte Inglês é o pior NorteShopping de todos!”

Longe vão os tempos em que o único 'NorteShopping' do Porto era o Brasília, com as suas escadarias alcatifadas e os seus corredores acanhados. Era mau? Talvez. Para nós era fantástico. O melhor NorteShopping de todos, a seguir ao de Vigo.

segunda-feira, 5 de agosto de 2013

good morning sunshine



Cá por casa, as idas para a cama são uma luta na qual já me dei por vencida. Se em tempo de escola se deitam a horas impróprias, nas férias têm horários que fazem corar de vergonha qualquer pai minimamente sensato.

“Ti… acorda! São quase nove da manhã… a mãe tem de ir trabalhar.”

Vira-se para o outro lado e tapa a cabeça com o lençol. Dirijo-me a paragens mais fáceis.

“Tommy… acorda. Veste-te rápido para ires comer os cereais. Vou acordar a tua irmã.”

Encontro a Té num sono profundo, enroscadíssima, com a cabeça virada para o fundo da cama. Pego-lhe ao colo a levo-a até à casa de banho. Choraminga assim que abro a torneira do lavatório.

“Vamos lá acordar, pequenina…”

“Não qué!”

“Deixa pentear o cabelo…”

“Não qué!”

“Té… a mãe está atrasada… tens de te vestir…”

“Não qué!”

Ao pousar a escova no balcão dou um ligeiro toque numa lata de espuma que, após duas ou três oscilações, sem que eu tenha reflexos rápidos o suficiente para o impedir, aterra na sanita.

“Bolas. Que azar!”

A Té dá uma gargalhada e corre para a sala para contar ao irmão que a espuma da mãe caiu à sanita. Eu preciso de café para acordar e perder o mau humor matinal. Aos meus filhos basta que eu faça um disparate.

Volto ao quarto do Tiago. Destapo-o e puxo-lhe as pernas para fora da cama. Senta-se e começa a desabotoar o pijama. Olha-me de soslaio, por entre as farripas de cabelo desgrenhado, e diz:

“Faltou-te a palavra passe.”

“?”

“Sim, a palavra passe para eu acordar rápido. 5987b.”

“Ah sim? Não sabia dessa.”

Levanta-se e começa a caminhar para a porta.

“Também tens palavra passe para lavar os dentes rápido?”

“Claro, mas hoje não vai ser preciso. Já vi que estás com pressa e não quero que te ‘inrites’. Depois escrevo-te as palavras passe num papel para que não te esqueças.”

Sigo aquela versão robotizada de filho até garantir que está a lavar a cara. Deixo-lhe uns calções e uma t-shirt e vou tomar o meu café. 5987b. Esta já decorei.



quinta-feira, 1 de agosto de 2013

Documents, please!



Final de tarde. A poucos quilómetros de casa vislumbro uma operação stop daquelas que trazem uma carrinha grande cheia de polícias pequeninos, em início de carreira, ávidos de toda e qualquer pequena inconformidade que possa ser objecto de multa.

Nunca sei muito bem onde estão os documentos do carro e estou atrasadíssima pelo que peço a Deus que não me mandem parar. Deus tem, certamente, mais com que se ocupar. O primeiro polícia pequenino da fila dá-me ordem para encostar.

“Boa tarde. Documentos da viatura e seguro, por favor.”

Abro o porta-luvas e encontro de imediato a folha verde do seguro. Suspiro de alívio. Um já está. O livrete também aparece após uma busca rápida por entre os cinco mil compartimentozinhos de arrumação do carro.

“Muito bem. Os seus documentos por favor.”

Esta é a parte fácil. Sorrio confiante e mergulho a cabeça no meu saco em busca da bolsinha onde costumo guardar os documentos. Encontro-a após despejar no banco três chupetas, duas garrafas de água, quatro isqueiros, um agrafador(?), dois pares de óculos escuros, uma barbie, uma babete e um sem número de talões de compras (mental note: arrumar o saco quando chegar a casa…).

“Senhor agente, aqui tem o meu cartão do cidadão e…”

Bolas, não vejo a carta…volto a mergulhar a cabeça no saco. Há outra bolsinha onde poderá estar… não está.

O polícia sorri, com uma malvadez indisfarçável.

“Falta a carta de condução.”

Pois falta, falta… onde raio estará? Eis que me vem à memória a imagem dos miúdos, numa viagem de carro, agarrados ao papel cor-de-rosa:

“Olha a mãe aqui tão diferente!”

“Deixa ver! Ah, ah, ah!”

“Meninos, cuidado, ainda me rasgam a carta. Olhem que é válida até 2040!”

“Estás um bocado feia na fotografia, mãe…”

“O que é este desenho na parte de trás?”

“Um círculo de Mohr. Esse desenho tem séculos. As cartas davam jeito para copiar nos exames.”

“Um círculo de quê? Copiar onde?”

“Esqueçam. Passem mas é para aqui a carta antes que fique feita em pedaços.”

“Espera, deixa ver melhor…”

Não sei se sobreviveu intacta. Sei agora, que, pelo menos para mim, não voltou. Desabafo:

“Não tenho a carta.”

O polícia pequenino dirige-se ao polícia grande que me vem informar que vou ser autuada. Aproveita para pedir para ver o triângulo e o colete.

Mais uma missão. Mergulho na mala. Depois de ter tirado quatro bolas, um guarda-chuva, um guarda-sol, um pára-vento, três casacos, uma mochila e uma caixa de sapatos, diz-me:

“Deixe estar, minha senhora. O carro é novo, tem, com certeza, triângulo. Sugiro-lhe que peça ao seu marido para lhe indicar onde está. Sabe que há coisas que só são úteis se as conseguirmos encontrar quando precisamos delas.”

Agradeço a lição de moral e arranco. À parte o dinheiro da multa sinto algum alívio por me ver livre daquela carta que ameaçava lembrar-me durante mais três décadas as roupas e cabelo ridículo que usava em 94. Além disso, a morada estava desactualizada. Deus não dorme.