quinta-feira, 1 de agosto de 2013

Documents, please!



Final de tarde. A poucos quilómetros de casa vislumbro uma operação stop daquelas que trazem uma carrinha grande cheia de polícias pequeninos, em início de carreira, ávidos de toda e qualquer pequena inconformidade que possa ser objecto de multa.

Nunca sei muito bem onde estão os documentos do carro e estou atrasadíssima pelo que peço a Deus que não me mandem parar. Deus tem, certamente, mais com que se ocupar. O primeiro polícia pequenino da fila dá-me ordem para encostar.

“Boa tarde. Documentos da viatura e seguro, por favor.”

Abro o porta-luvas e encontro de imediato a folha verde do seguro. Suspiro de alívio. Um já está. O livrete também aparece após uma busca rápida por entre os cinco mil compartimentozinhos de arrumação do carro.

“Muito bem. Os seus documentos por favor.”

Esta é a parte fácil. Sorrio confiante e mergulho a cabeça no meu saco em busca da bolsinha onde costumo guardar os documentos. Encontro-a após despejar no banco três chupetas, duas garrafas de água, quatro isqueiros, um agrafador(?), dois pares de óculos escuros, uma barbie, uma babete e um sem número de talões de compras (mental note: arrumar o saco quando chegar a casa…).

“Senhor agente, aqui tem o meu cartão do cidadão e…”

Bolas, não vejo a carta…volto a mergulhar a cabeça no saco. Há outra bolsinha onde poderá estar… não está.

O polícia sorri, com uma malvadez indisfarçável.

“Falta a carta de condução.”

Pois falta, falta… onde raio estará? Eis que me vem à memória a imagem dos miúdos, numa viagem de carro, agarrados ao papel cor-de-rosa:

“Olha a mãe aqui tão diferente!”

“Deixa ver! Ah, ah, ah!”

“Meninos, cuidado, ainda me rasgam a carta. Olhem que é válida até 2040!”

“Estás um bocado feia na fotografia, mãe…”

“O que é este desenho na parte de trás?”

“Um círculo de Mohr. Esse desenho tem séculos. As cartas davam jeito para copiar nos exames.”

“Um círculo de quê? Copiar onde?”

“Esqueçam. Passem mas é para aqui a carta antes que fique feita em pedaços.”

“Espera, deixa ver melhor…”

Não sei se sobreviveu intacta. Sei agora, que, pelo menos para mim, não voltou. Desabafo:

“Não tenho a carta.”

O polícia pequenino dirige-se ao polícia grande que me vem informar que vou ser autuada. Aproveita para pedir para ver o triângulo e o colete.

Mais uma missão. Mergulho na mala. Depois de ter tirado quatro bolas, um guarda-chuva, um guarda-sol, um pára-vento, três casacos, uma mochila e uma caixa de sapatos, diz-me:

“Deixe estar, minha senhora. O carro é novo, tem, com certeza, triângulo. Sugiro-lhe que peça ao seu marido para lhe indicar onde está. Sabe que há coisas que só são úteis se as conseguirmos encontrar quando precisamos delas.”

Agradeço a lição de moral e arranco. À parte o dinheiro da multa sinto algum alívio por me ver livre daquela carta que ameaçava lembrar-me durante mais três décadas as roupas e cabelo ridículo que usava em 94. Além disso, a morada estava desactualizada. Deus não dorme.



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