quinta-feira, 31 de outubro de 2013

O erro do Bairro do Panda




“Mãããeee! Disseram uma coisa mal no ‘Bairro do Panda’!!!”

“E então o que foi?”

“Disseram que não há duas bandeiras de países iguais!”

«Disseram bem…» penso, mas não digo. Se a constatação de falha ou ignorância alheia já os deixa felizes, vinda de mim traduz-se em momentos de absoluto delírio… vá que há mesmo, o melhor é estar caladinha.

“Ouviste mãe? Eles disseram que não há duas bandeiras iguais e nós fomos ver ao ‘Livro de Países e Bandeiras’…”

“… ao Atlas…”

“…sim, ao Atlas e descobrimos que há duas iguais. Indonésia e Mónaco!”

“Ora mostrem lá…”

Abrem, ufanos, a página das bandeiras. É um facto. A bandeira da Indonésia é igual à do Mónaco.

“Têm razão meninos, têm razão…a senhora do Bairro do Panda enganou-se.”

O Tiago fecha o Atlas, endireita os ombros e, do alto do seu infindável rigorismo, corrige-me:

“Não mãe, a senhora não se enganou. A senhora disse o que sabia. O ‘progulema’ é que não sabia o suficiente.”


terça-feira, 29 de outubro de 2013

"Tenho um dente a abanar!"




“Mãe, os nossos dentes caem todos?”

“Sim.”

“Todos, todos?”

“Os vinte de leite sim.”

“Chiça!...Ainda bem que não caem ao mesmo tempo… e é verdade que as Fadinhas dos Dentes trazem uma moeda se pusermos o dente debaixo da almofada?”

“É.”

“Em todos os dentes?”

“Não, só no primeiro.”

“Hum…bem me parecia… o dente que me falta conta?”

“Esse partiste quando tinhas um ano. Não conta.”

“Boa. A Fadinha dos Dentes trouxe moedas ao Tomás quando lhe caiu o primeiro dente?”

“Foi na República Dominicana... trouxe-lhe um brinquedinho, umas moedas e um chocolate, se bem me lembro.”

“As Fadinhas dos Dentes da República Dominicana são muito simpáticas! Devem ser mais sensíveis do que as nossas…”

“Vá que é do clima...

“Espero que a minha Fadinha dos Dentes saiba que eu não gosto de chocolates…”

“Sabe certamente.”

“As Fadinhas dos Dentes têm asas, não têm?”

“Imagino que sim…mas nunca vi nenhuma, não tenho a certeza.”

“Mãe… claro que têm… se não tivessem tinham de andar pela rua para ir a todas as casas. Era im-po-ssí-vel.”


Claro. Um congestionamento de Fadinhas na via pública é impossível. Fadinhas com asas a entrar pelas janelas dispostas a trocar dentes caídos por moedas e doces, isso sim, faz todo o sentido.

segunda-feira, 28 de outubro de 2013

“Shallow men believe in luck or in circumstance. Strong men believe in cause and effect.” *




Final de Outubro. Abertura oficial da caça à gripe e à constipação.

“Mãe… dói-me a garganta…”

“Estás um bocadinho quente… abre lá a boca e diz ‘háááááá’…”

“‘hááááááááá’….. pontos brancos?”

“Yep. Não vais poder ir às aulas. Como é que é que é possível estares doente outra vez?”

Esboça um leve sorriso e faz a pergunta de sempre:

“E o treino?”

“Esquece o treino.”

O mundo não é, definitivamente, um lugar justo. Dá meia volta e segue para o quarto. Pelo caminho agarra um Astérix. Se não há hora para levantar também não há hora para dormir.

A Té, que está com tosse, passeia-se em redor das minhas pernas na esperança de ouvir um “também ficas em casa”. Faço-lhe uma festinha na cabeça e desmonto-lhe a expectativa:

“Vamos lá tomar o xarope, beber o leitinho e dormir, que amanhã há colégio.”

O Tiago, não tendo ainda sentido qualquer sintoma premonitório de uma segunda-feira chuvosa passada no aconchego do lar, já tem a mochila e o casaco estacionados no hall de entrada e está de pijama no sofá a aguardar resignadamente o toque de recolher.

“Tiago…”

“Sim, mãe…”

“Tens tudo na mochila? Que papel é este a dizer 'soletração'?"

“Era para treinar, mas já não preciso.”

“Treinar para quê?”

O Tommy ouve ao longe a conversa e aparece a correr:

“Soletração? Vi um grande cartaz no colégio sobre um concurso de soletração. Pensei que era para os crescidos dizerem aquelas palavras difíceis tipo otorrinolaringologista… afinal é para o primeiro ciclo? Estás a participar, Ti?”

O Tiago acena afirmativamente. Sem tirar as mãos (e o os olhos) do iPad, diz num tom desinteressado:

“Sim, estou a participar. Vou à final, amanhã. Ainda bem que falas nisso. Já me ia esquecer de avisar a mãe que tenho de levar gravata. Mããããeee! Preciso da gravata!”

Hoje, à saída do carro, depois de lhe dar um jeitinho ao nó da gravata abracei-o com força:

“Vai correr bem, meu querido. Tem calma e… boa sorte!”

Sorriu-me, com aquele seu sorriso condescendente:
   
“Obrigado mãe, mas eu não preciso de sorte. Sei que não me vou enganar.”

Fiquei ao portão, à chuva, a vê-lo, qual homenzinho em miniatura, arrastando o seu trolley do 'Dusty' até desaparecer para o interior do edifício. Boa sorte, meu amor, boa sorte.



(*) Ralph Waldo Emerson


sexta-feira, 25 de outubro de 2013

VagaMundices


A convite da Luísa do Diário da Pikitim, respondemos ao questionário Família Vagamundos. Aqui ficam as declarações, para memória futura.
Nome: Joana Neves da Silva
Idade: 36
Profissão: Engenheira Civil, embora não exerça desde 2011. Actualmente assumo um cargo de gestão numa central de compras.
nº de filhos: 3
Idades: 3, 6 e 10
Destino de sonho: Austrália
Filme preferido: Aquele que é para mim o mais sublime retrato da natureza humana e da força dos laços familiares: “The tree of Life” de Terrence Malick.
Livro de viagem preferido: Um livro brilhante e avassalador sobre a dura viagem de milhares em busca de uma vida melhor: “As vinhas da ira” de John Steinbeck.

Quando te falam em viajar com crianças, qual é a primeira coisa que te vem à cabeça?

Férias. O único momento do ano em que temos oportunidade para viajar. Viajamos pouco mas quando o fazemos levamos os miúdos connosco.

O que achas que é o melhor de viajar com os filhos?

Em viagem estamos livres das preocupações quotidianas que nos transformam sistematicamente nos ‘chatos de serviço’. Em férias somos ‘mais pais’ e ‘menos educadores’ e isso é muito bom para todos.

E o pior? Ou o mais difícil?

A logística inicial. Na véspera de arrancarmos para algum lado tenho sempre a sensação de que levamos tralha a mais, de que ainda assim vai faltar imensa coisa, de que tudo pode correr mal. Após o ‘tiro de partida’ começamos a descomprimir. No final do primeiro dia sentimo-nos em casa onde quer que estejamos.

Qual foi a primeira viagem que fizeste com os teus filhos? Tinham que idades?

O Tomás foi connosco à Republica Dominicana com 2 anos. A primeira viagem grande do Tiago foi também à Republica Dominicana, tinha na altura 12 meses e o Tomás 5 anos. A Teresa teve a sua estreia este verão (com 3 anos) numa viagem de auto-caravana em que passámos por Espanha, França e Itália.

Quantas semanas andaram na estrada? O que é que os miúdos gostaram mais?

Tudo começou com um convite de uma amiga para um casamento em Porto Venere em Setembro. Nunca tínhamos ouvido falar de Porto Venere… a noiva explicou-nos que ficava perto de La Spezia, que, por sua vez, ficava perto de Génova. Explicou-nos que era património mundial da Unesco. Mostrou-nos fotografias: uma igrejinha junto ao mar no topo de uma colina… um cenário digno de filme. Lindo. Não podíamos deixar de ir. Não queríamos ir sem os miúdos. Não queríamos arruinar as nossas férias de Verão… encontrámos uma solução: transformar o evento no destino final de uma viagem de autocaravana. O Algarve estará no mesmo sítio à nossa espera no próximo ano. Casamentos “Mamma Mia” acontecem uma vez na vida.
Alugámos uma ‘Family Plus’ por duas semanas. Fomos buscá-la na véspera da partida. Vinha em bruto, como um apartamento vazio. Equipámo-la com louça, talheres, lençóis, toalhas, almofadas e cobertores. Guardámos a roupa directamente nos armários. Enchemos o frigorífico e o congelador. Aprendemos a atestar e a esvaziar os depósitos, a ligar e desligar a alimentação eléctrica, a ligar e desligar o gás, a abrir e fechar o toldo, a montar e desmontar o apoio das bicicletas. Sentíamo-nos seguros e preparados? Nem por sombras.
Manda a prudência que quem nunca tenha guiado nada que se assemelhe a uma autocaravana faça um pequeno percurso no primeiro dia, a título de treino. Fomos até Biarritz. Nessa noite os miúdos já chamavam ‘quarto do Tomás’ ao beliche de cima e ‘cozinha’ aos 0,8m2 onde estava o fogão e a banca. A ‘ótocaravana’ (segundo o Ti) ou ‘vavana’ (segundo a Té) tinha sido plenamente aprovada. Estávamos prontos para os restantes 4.000Km.
Seguiu-se Paris. Depois a Disney. Delírio absoluto. A Té viu a Rapunzel acenar-lhe ao vivo e a cores o que lhe permitiu passar o resto da viagem a dizer com um ar sobranceiro que “era amiga da Pél”. Os rapazes ultrapassaram os seus maiores receios aventurando-se nas mais assustadoras das diversões. Eu e o pai demos cabo das costas a acompanhar os rapazes.
Disney para trás, seguimos para o Monte Branco. Ficámos dois dias em Chamonix num parque fantástico de onde, ao final da tarde, víamos o sol a banhar com um laranja morno o topo gelado das montanhas. Baterias carregadas, partimos para Itália. Desordenamento de território, trânsito caótico, inexistência de sinalização, taxistas loucos, uma barulheira infernal no parque até às tantas da manhã… “welcome back to South Europe”!
As terrinhas das fotografias não defraudaram as nossas expectativas. A Unesco tem razão. A região é mesmo muito bonita.
O casamento foi de sonho.
De La Spezia arrancámos para a Côte d’Azur. Quase duzentos túneis e outros tantos viadutos depois, chegámos a St.Tropez, terra de iates, veleiros, Ferraris e lojas de luxo. Dali seguimos para Espanha. Em Tarragona fizemos o último dia de praia das férias, enquanto as aulas arrancavam por cá. O melhor primeiro dia de aulas de sempre, segundo os miúdos.
Regressámos, sãos e salvos. Ainda dormimos na autocaravana mais uma noite, estacionados à porta de casa. Nenhum de nós queria deixar aquele espaço com rodas que já sentíamos como lar. Ridiculamente pequeno mas incrivelmente suficiente.

As viagens são programadas com muita antecedência? Quais são as prioridades e as preocupações tidas em conta no planeamento?

Nunca fazemos planos com demasiada antecedência, até porque a experiência nos diz que quanto maior a antecedência, maior a probabilidade do plano sair furado.

Já viveste algum susto, já houve algum contratempo em viagem?

Em 2006, na véspera de arrancarmos para Cuba, o Tomás (na altura com 3 anos) ficou com varicela. Com o aval do pediatra, umas doses de zovirax e atarax e um garrafão de protector solar 350, partimos e acabou por correr tudo bem.

Viajavas mais vezes antes de teres filhos? Com que frequência viajas agora?

Naturalmente. O tempo é escasso e viajar com três crianças é muito caro. Hoje em dia fazemos, no máximo, uma viagem por ano.

O que acreditas que vai ficar mais a memória das crianças após uma viagem?

Viajar ajuda-as a crescer. Conhecem outras realidades, abrem novos horizontes. No que toca às ligações familiares as viagens contribuem muito para a união do clã. A vida não é mais do que um acumular de momentos e sentimentos. As memórias são a estrutura na qual nos vamos erguendo e são elas que nos transformam no que somos. As viagens fazem parte dessa estrutura e tornam-na mais sólida e mais ampla.

Que dica ou conselhos podes partilhar com quem esteja a pensar em viajar com os filhos?

Verificar com antecedência toda a documentação necessária. Não lhes criar grandes expectativas, para que não corram o risco de ficar desiludidos. Não ter um plano demasiado rígido pois eles darão cabo dele. Levar uma mala com anti-piréticos, anti-inflamatórios, anti-micóticos, anti-diarreicos, anti-alérgicos e material de primeiros socorros. Levar livros e gadgets para as horas de viagem. Este ano o pai teve a ideia de fazer um ‘road bingo’: imprimimos grelhas com imagens de sinalização de trânsito, marcas de automóveis, pontes, viadutos, túneis, monumentos. Cada um ia registando o que via no seu cartão, até fazer linha e bingo (nota: se passarem pelo sul de França não se esqueçam de ter o símbolo de túnel em todos os cartões caso contrário têm sempre alguém derrotado à partida).

Qual é o vosso próximo destino?

O destino o dirá.

segunda-feira, 21 de outubro de 2013

Lady Gaga



A Teresinha não disse mais de meia dúzia de palavras até aos três anos, momento em começou a dar largas a um ‘teresês’ que tem vindo a aproximar-se gradualmente do português.
Fosse a minha primeira filha e tinha ido a correr para um terapeuta da fala. Não fui. À terceira já aprendi que não devo procurar por antecipação soluções para problemas que podem nem vir a existir. Estou convencida que o passar do tempo vai trazer-lhe a clareza verbal que ainda lhe falta. Se não trouxer então lá procuraremos ajuda especializada para resolver os ‘f’ e os ‘c’ que saem em ‘p’, os ‘s’ que saem em ‘t’ e os ‘l’ que, pura e simplesmente, não saem.

Amanhã comemora-se o Dia Internacional da Consciencialização para a Gaguez. Nem de propósito, há um par de noites, comentei com o André as dificuldades de arranque que a Té tem em algumas palavras:

“Será que a nossa filha vai ser gaga?”

A Té, que, por mais distraída que pareça estar, tem sempre uma antena à escuta, sem tirar os olhos do Basketeers (única – bendita – série que presentemente reúne consenso entre os três), diz com um ar muito indignado:

“Oh 'iago'! Óviste? A mãe disse que quando eu fô gande vou sê gaga!”

O Ti, não reagiu, primeiro porque não sabe o que a palavra gaga significa, segundo porque, quando está a ver televisão, só reage ao que a irmã diz no instante em que ela se interpõe entre ele e o ecrã. Assim aconteceu. Já de pé, em frente ao televisor e de mão na anca deixou bem claro:

“Quando fô gande não vou sê Gaga. Vou sê Pin-ce-sa!”

domingo, 20 de outubro de 2013

Raios...



A manhã está cinzenta e húmida. O ar pesado parece anunciar trovoada... o Ti está sentado ao meu lado a olhar para o céu. Desde que ficou com o encargo de marcar no calendário da sala de aula o dia e o estado do tempo anda muito atento aos fenómenos meteorológicos.

"Mãe, acho que hoje vai trovejar. No nosso calendário trovoada é o pior antes de neve. Não percebo porquê. Neve é muito mais giro que trovoada. Porque é que há raios no céu quando há trovoada?"

"São descargas eléctricas atmosféricas. As nuvens descarregam energia."

"Para poupar luz?"

Rio-me e aceno-lhe negativamente. Olho para o relógio e depois para mais-infinito. A enxaqueca está a matar-me.

"Mãe, uma pessoa pode ser atingida na cabeça por um raio?"

"Não é muito conveniente..."

"Mas pode, ou não pode?"

"É altamente improvável."

"É improvável ou impossível?"

"A que propósito é que te lembraste dessa hipótese, meu querido?"

"O pai falou..."

Boa, se foi o pai que puxou o assunto, o pai que resolva a coisa. A mim já me bastou o transe com Tsunamis em relação aos quais ainda tinha a safa de poder dizer que não acontecem em Portugal. Respiro fundo e sorrio-lhe:

"Quando chegarmos a casa perguntas ao pai."

"O pai já foi atingido por um raio?"

"Não."

"E tu?"

"Também não."

"Alguém já foi?"

"Talvez..."

"E o que é que lhe aconteceu?"

Não, não podemos entrar por aí... tento arrumar o assunto de novo:

"Não te preocupes. Há pára-raios no cimo dos prédios que atraem os relâmpagos."

"E se estivermos numa rua sem prédios? Podemos ser atingidos?"

"Não vai acontecer."

"Mas podia...não podia?"

Olho para o relógio mais uma vez na esperança que o fim da aula de natação da Té me salve da conversa...

"Vamos para dentro, buscar a tua irmã."

"Há pára-raios no telhado da natação?"

"Ainda nem está a trovejar, rapaz. Não penses mais nisso."

"E no carro? Podemos ser atingidos?"

"E se fôssemos ao McDonalds?"

Remédio santo. Nada como um happymeal para lhe fazer 'reset' à maior das preocupações.

Tudo muito bem até ao serão quando, por mal dos meus pecados, anunciam no jornal da noite que um carro em Odivelas foi destruído por um raio.

"Mãe!!"

"Já ouvi... vai falar com o teu pai!"


sexta-feira, 18 de outubro de 2013

Big Brother



O Tommy é um irmão mais velho como há poucos. Não que nunca perca a paciência mas, antes de fazer uso da força, esforça-se por resolver pacificamente os conflitos com e entre os irmãos. E poucos são os que conseguem manter uma postura pacífica perante dois seres que não aguentam estar juntos mais de dez minutos sem se engalfinhar. A saber:

Espírito de Partilha:
Querem sempre o MESMO brinquedo, o MESMO lugar no sofá, o MESMO lugar à mesa, o MESMO copo, a MESMA bolacha, o MESMO marshmallow (mesmo que haja trinta iguais).

Companheirismo:
NUNCA querem o mesmo programa de televisão, NUNCA querem o mesmo jogo de consola, nunca querem a mesma coisa quando se trata de algo que pode ser feito a dois.
 
Bom perder:
Ambos querem ser o PRIMEIRO a entrar na banheira, o PRIMEIRO a chamar o elevador, o PRIMEIRO a marcar o código da garagem, o PRIMEIRO a chegar ao carro. Nesta de chegar ao carro o Ti tem apresentado alguma melhoria mas não resiste a dar cinco passos de corrida no mesmo sítio assim que a porta do elevador se abre, gesto que despoleta na Té um arranque supersónico acompanhado de gritos lancinantes: “QUÉÉÉÉ GANHÁÁÁÁÁ!!!”

A tudo isto o Tommy reage com alguma calma, tendo vindo a adquirir uma capacidade invejável de ignorar o circo mesmo quando ele está a pegar fogo atrás de si. 

Nos casos em que a briga lhe cai, literalmente, em cima, usa várias técnicas de apaziguamento: chamá-los à razão (raramente resulta), distrair a atenção para outra coisa (resultado pouco garantido e nada duradouro), fazer uma palhaçada (quase infalível), e, mais recentemente (sem que eu tivesse força de vontade suficiente para o impedir), suborno:

“Dou-vos uma moeda a cada um se me deixarem em paz!”

Foi vê-los a correr quarto fora. Pararam à porta, de mão estendida, enquanto o mano abria o mealheiro.

“Ora, vamos lá, um euro para o Ti, um euro para a Té…”

A Té não ficou satisfeita. Manteve a mãozita aberta e decretou:

“Pa mim é nota!”

Seis euros por alguns minutos de descanso. Acho que vou ter de lhe aumentar a mesada.


quinta-feira, 17 de outubro de 2013

O estranho caso do convite do Japão


O papel é pequeno e rectangular. Num dos lados tem desenhada a bandeira do Japão. No outro tem escrito: Envite pará Teresa e para u Tiago

“O que é isto, Ti?”

“Então não vês? É um envite!”

“E o que é um 'envite', meu querido?”

“É aquelas coisas que as pessoas entregam umas às outras. Não digas que não sabes...”

“Sei o que é um convite…”

“Sim, é isso. Mas também se pode dizer envite.”

Algo me diz que há confusão naquela cabecinha entre ‘convite’ e ‘invite’. Aprender inglês antes de se saber escrever português dá nisto. Decido não complicar a coisa:

“Envite, seja. E de onde veio o envite?”

“Do Japão. Não acredito que não conheces a bandeira.”

“Conheço, mas achei estranho.”

“Eu também achei. E sabes o que é ainda mais estranho? Estar escrito em português…”

“Isso não é bem português mas japonês não é certamente… deve ser de um japonês que está a aprender português.”

“De certeza. Assim como nós cá aprendemos inglês os japoneses podem aprender português, não é?”

“Assim como nós aprendemos inglês, os japoneses também devem aprender inglês. No entanto, pode haver alguns (sete, no máximo) que queiram falar português.”

“Um desses foi o que mandou o envite.”

“Explica-me lá para que é o envite.”

“Esse é o ‘Grande Mistério’ que vou ter de desvendar. Quando descobrir aviso.”

“Combinado. Não podes partir para o Japão sem falar comigo.”

Agarra o convite e abre os braços:

“Achas que eu e a Teresa íamos sozinhos ao Japão? Que disparate… tínhamos de ir de avião! Vou tratar do mistério e depois mostro-te no meu livro de países e bandeiras onde fica o Japão para veres como é longe.”

“O ‘livro de países e bandeiras’, que EU te ofereci, tem nome: Atlas.”

“Ok, ok… descubro o mistério, trago o Atlas e mostro-te onde fica o Japão.”



quarta-feira, 16 de outubro de 2013

"Focus on the essentials, please!"




“Mãe, o que é que aconteceu ao nariz do cão de areia da Cleópatra?”

“Antes de mais, algumas ressalvas de ‘pormenor’: não é um cão, é um leão e não é de areia mas sim de pedra. Uma única pedra. Uma das maiores esculturas de sempre lavradas numa única pedra.”

“Ok. E o nariz?”


terça-feira, 15 de outubro de 2013

"Que dispaiate!"



Esta fotografia está na parede há um bom par de anos. Presente do papá num ‘dia da mãe’. A Té, aparentemente, nunca tinha reparado nela. Está sentada na sua mini-poltrona e observa-a enquanto devora uma embalagem de gomas que trouxemos da ‘funmácia’.

“Estás a olhar para a fotografia, Té?”

“Tim” (a pronúncia do ‘S’ no início de algumas palavras sai-lhe com ‘T’ mas confesso que acho graça pelo que nem tento corrigir).

“Está gira não está?”

“Está mal.”

“Caramba, que vocês são complicados. Nunca nada está bem…”

Aponta, entre duas gomas, aquilo que é óbvio e eu pareço não estar a ver.

“Eu... o Tiago... o Tomás... bem. A mamã... está mal.”

Posso estar horrenda mas já me dou por contente por me chamar ‘mamã’ em vez de ‘mãe’. É a única que o faz.

“Estou mal, querida? Porquê?”

Franze o sobrolho, incrédula, perante a minha falta de discernimento. Explica-me, devagarinho, para que eu entenda:

“Mamã… tu é uma. Só uma. Ali tão tês. Tês mamãs é um dispaiate.”

É um disparate, de facto. Mamã há só uma. Mas, vendo bem a coisa, não era de todo mal pensado…

quinta-feira, 10 de outubro de 2013

Building Champions




19:15
Reunião informativa para Encarregados de Educação.

Os treinos de bola do Tommy, os jogos e toda a logística associada são jurisdição do pai. Quando este não pode de todo, sou indigitada para o representar no papel de Encarregado de Educação de um Futuro Campeão.

Vou com a consciência de que não estou à altura. Não cumpro os requisitos mínimos. A saber:

Um Encarregado de Educação de um Futuro Campeão não chega em cima da hora. Está lá com uma antecedência mínima de 15 minutos.

Um Encarregado de Educação de um Futuro Campeão não sorri aos outros Encarregados de Educação dos outros Futuros Campeões.

Um Encarregado de Educação de um Futuro Campeão não tem dúvidas, apenas sugestões a apresentar.

Um Encarregado de Educação de um Futuro Campeão trata o treinador por mister.

Um Encarregado de Educação de um Futuro Campeão está, por defeito, contra toda e qualquer decisão da equipa técnica.

Um Encarregado de Educação de um Futuro Campeão prevê as eventuais injustiças perpetradas contra o Futuro Campeão e exige justificações antecipadas.

Um Encarregado de Educação de um Futuro Campeão tem no braço, em Lucida Calligraphy 72, o nome do Futuro Campeão.

Meu querido filho, apesar das minhas limitações, prometo dar sempre o meu melhor. Pelo sim, pelo não, à próxima reunião vai o pai.


No soup today!


Ao contrário dos irmãos, que sempre comeram como uns alarves, a Teresinha é uma 'picky eater'.
Cada refeição é uma luta que começa com um:
“Té… come a sopa…”
Ao qual ela responde com um:
“Não qué.”
A partir daqui segue-se uma infindável lista de estratégias (de sucesso pouco ou nada garantido):

A competição
“Té, vamos ver quem acaba primeiro? Os manos vão perder...”

O iPad
“Se comeres a sopa, vemos um Ruca. Ou preferes a Rapunzel, que vimos poucas vezes?”

O Polícia
“Vou ligar ao polícia…Sr. Polícia? Está aí em baixo? Tem sopa? Não se importa com a Té jante aí na carrinha?”

O fundo do prato
“Quem está ali debaixo da sopa, quem está? Vamos comer tudo para descobrir?”

O Polícia (versão 2, com participação dos irmãos a tocar à campainha)
“Está alguém à porta. Vou ver quem é. Ah, é o Sr. Policia! Muito boa noite. Quer entrar? Não? É só para chamar a Té? Espere por favor que eu vou verificar se ela já começou a comer…”

A ameaça
“Ou comes JÁ, ou levas uma palmada!”

A manicure
“Uma unha pintada por cada colher de sopa.”

A sobremesa
“Se comeres a sopa toda, podes comer mousse de chocolate!”

O colégio
“Se não comes, vamos jantar ao colégio.”

A substituição
“Desisto. Vou chamar o teu pai.”

A cama
“Ou comes a sopa ou vais já dormir.”

O sopa-drive
“Vai lá dar uma corrida. A cada passagem pela mesa comes uma colher.”

A substituição (versão pai)
“Desisto. Vou chamar a tua mãe.”

A cabeça perdida
“Ok. Ganhaste. Hoje estás dispensada.”

Se em relação à sopa e afins a cena é sempre complicada, no que toca a medicamentos a senhora dona Té está sempre pronta a tomá-los. Seja xarope, suspensão, solução ou pó, seja doce, salgado, amargo ou ácido, tudo é benvindo desde que seja dotado de propriedades farmacológicas. Sopa em tubinhos de nurofen já me passou pela cabeça, confesso, mas algo me diz que é ligeiramente inadequado habituar uma criança de três anos a tomar 400ml de xarope ao jantar...



segunda-feira, 7 de outubro de 2013

Packability




Casacos de Inverno. Entre impermeáveis, puff jackets, casacos de desporto e sobretudos de lã, entre os que servem, os que estão quase a servir e os que não servem mas ficam para o próximo, existem por estas bandas bem mais do que os nossos (por natureza atafulhados) armários conseguem aguentar.

Se durante os meses frios a coisa se resolve com grande parte dos casacos ‘em trânsito’ (entenda-se: espalhados pela casa, pelas malas dos carros ou perdidos num qualquer cabide do colégio), no Verão tornam-se um verdadeiro problema.

Este ano, quando o calor se começou a fazer sentir, tive a ideia peregrina de ir ao Ikea comprar a maior caixa que lá encontrasse para enfiar tudo quanto era agasalho. Num contentor onde cabe um hipopótamo conseguir guardar não só os casacos mas também gorros, luvas, cachecóis e alguns demais itens de difícil arrumação. Tudo sobre rodas até ao momento em que me confronto com a inevitabilidade de não haver espaço nos arrumos da garagem para a minha super nova solução.

Resultado: ficou no hall onde começou rapidamente a servir de base para outras tralhas transformando-se numa espécie de objecto escultórico ao qual nos habituámos com uma facilidade, no mínimo, preocupante.

Com a chuva e o frio à porta, chegou o momento de resgatar os casacos de Inverno para mais uma temporada de uso. Quanto à caixa, talvez a mande para a varanda. Com jeitinho, dá uma bela marquise.