sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

Happy meal



Jantar no McDonalds com os mais novos. O Ti observa, com um ar repugnado, a minha McSalada enquanto chafurda uma batata frita em ketchup. O seu conceito de ‘dipping chips’ é mais ‘sinking chips’ mas, como só agora despertou para o prazer do ketchup, eu faço que não vejo.

“Não sei como consegues comer essas folhas todas, mãe…”

“Não adoro, mas tem de ser.”

“Pois é, para não ficares demasiado gorda.”

“Sim, e além disso é muito mais saudável.”

“Se as pessoas comerem muita comida saudável ficam muito magras?”

Rio-me.

“Ficam?”

“Não, necessariamente. Mas ficam, pelo menos, com mais saúde. Ora vamos lá ver se os meninos conhecem os alimentos que estão na minha salada…”

Espeto um pedaço de espinafre com o garfo  e elevo-o no ar:

“Esta é uma folha de…”

“’Ávere’!” – responde prontamente a Té.

“Não. Não é de árvore, é de…”

“Espinafre!” – corrige o Ti.

A Té franze o sobrolho e cruza os braços:

“Eu ‘acetei’. Não disse ‘ávere’. Disse ‘nafre’. Não ‘óviram’ ‘dieito’…”

Antes que se peguem à pancada passo à cenoura, depois ao atum, ao milho, ao ananás e por aí adiante. Vão ponto os bracitos no ar como se estivessem na escola e, sem aguardar autorização, gritam em uníssono os nomes dos ingredientes que lhes vou mostrando.

Finda a listagem exaustiva dos itens da minha salada, tento mostrar-lhes que os seus happy meals não são, de todo, uma refeição equilibrada:

“Olhem bem para os vossos tabuleiros e descubram o que falta aí.”

O Ti ergue mais uma vez um braço:

“Legumes!”

“Muito bem! Mas há outra coisa muito importante que também falta…”

Desta vez é a Té a primeira a responder:

“Um iPad!”



quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

"That's all Jazz!"



O Pai Natal trouxe um órgão ao Ti e uma guitarra nova ao Tommy. A manhã de dia 26 arranca com music-hall natalício. O Tommy dedilha, orgulhoso, o “noite feliz”. A Té quer participar. Larga o seu palácio e a sua dream-house da Barbie e dirige-se para o órgão onde começa a teclar de uma forma terrivelmente aleatória. O Ti repreende-a:

“Sai daí. Tu ainda não sabes tocar!”

“Sei, sei! ‘Óia’ como sei!”

As mulheres levam sempre a sua avante pelo que, como não podia deixar de ser, de chupeta ao canto da boca, mantém os seus malvados deditos nas teclas. O Tommy tenta levar a coisa a bom porto:

“Deixa Ti, ela é pequenina, toca à sorte…”

O Ti não deixa. Carrega o sobrolho, inclina-se para a frente no seu modo disciplinador e, vermelho até à ponta das orelhas, solta a sua indignação:

 “A Teresa pode tocar à sorte? Tocar à sorte? Tocar à sorte é Jazz!”


terça-feira, 24 de dezembro de 2013

getting ready for christmas



Véspera de Natal. Duas da tarde e estamos prontos para arrancar para a Figueira. Sinto-me como se já fossem oito da noite. Já fui a Vila do Conde debaixo de um dos maiores temporais de que tenho memória, já passei em casa dos meus pais, já embrulhei os últimos presentes,  já fui à Fnac (ir à Fnac num 24 de Dezembro tira alguns anos de vida ao mais paciente dos mortais... eu, que de paciente e equilibrada tenho pouco, perdi no mínimo uma década), já fiz a mala, já preparei as crianças, já consegui encaixar os presentes no carro, já pus água e comida à gata, já dei de comer aos peixes, já desliguei luzes, televisões e aquecimento. O André não vai acreditar quando chegar da fábrica e perceber que podemos partir imediatamente.

Os meninos estão histéricos. Não vêem a hora de sair porta fora. Fosse Natal todos os dias e chegávamos sempre a tempo ao Colégio.

"Está tudo preparado?"
"O pai demora muito?"
"Já só faltam dez horas para abrir os presentes!"

A vibração é tanta que até a mala parece tremer. Não parece, está mesmo a tremer. Mau... ando nervosa mas não ao ponto de começar a ver objectos a mexer. Aproximo-me lentamente. Sinto um leve batido... bate leve, levemente como quem chama por mim... será chuva, será gente? Gente não é certamente (a mala é grande mas não tanto) e a chuva não bate dentro de malas. Vou ver. Abro os trincos e eis que salta disparada a Glória. Raio de gata que não aprende a deixar de se enfiar onde não deve. Não tivesse eu sentido a tremedeira e tinha vindo também, espalmada no meio das nossas belas roupinhas de dia de Natal. Gato espalmado de espaços apertados  tem medo. Pode ser que desta vez tenha aprendido a lição. Ou não. Partimos e deixámo-la entretida com a árvore de Natal. Costumo ficar doida quando a vejo sacar bolas. Hoje não me incomodou. O espírito deste dia torna-me mais branda. E antes uma árvore desfeita do que uma gata sufocada.


Um bom Natal para todos! Até para ti, Glorinha. 

sábado, 21 de dezembro de 2013

bitter november



Nunca gostei do mês de Novembro. Sempre me deprimiu o modo como pinta de cinzento os dias, o modo como os encurta, como os gela e como os preenche com chuva.

Este Novembro foi pior do que todos os outros. Não pela chuva, não pelo frio, não pelos dias curtos. Foi pior do que todos os outros porque quase me levou o meu pai. O meu pai, o avô Nino dos meus filhos, o Nino da minha mãe, o Finzinho da família, o tio Cum dos sobrinhos, o Serafim de todos os outros que lhe estão próximos e são, de um modo ou outro, contagiados pela sua inesgotável vontade de aproveitar a vida.

Diz-se que "Pai há só um!". Eu tenho a sorte de ter um pai fantástico. Não por ser muito afectuoso. Nunca foi de expressar em demasia os seus sentimentos. É fantástico pela sua verticalidade, pelo seu enorme sentido de justiça e pelo seu bom coração. Ensinou-me que precisamos de nos manter fiéis a nós próprios, que temos o direito de ser livres de traçar o nosso caminho e aprender com os nossos erros. Senti o seu apoio incondicional durante toda a minha vida. Esteve sempre lá, nos bons e nos maus momentos.  

Este Novembro tentou levar o meu pai e o meu mundo parou de girar. Este Novembro tentou mas não conseguiu levar o meu pai. Porque o meu mundo ainda não está preparado para girar sem o meu pai e o meu pai ainda tem muito a dar a este mundo. 

Bem hajas, pai. Deste-me o melhor presente de Natal de sempre. Prepara-te, pelo menos, para os próximos trinta Novembros. Um por cada dia que passaste no hospital. Que venham com chuva, com frio e sem um único raio de sol. Estaremos cá juntos para os viver com alegria.