quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

SITI - Ti's personal SI



O Tiago tem a cabecinha muito bem arrumada. Regra geral, toda e qualquer informação que lhe seja transmitida (desde uma simples cantiga do Phineas e Ferb a um documentário sobre o regime alimentar dos mamíferos marsupiais da Papua-Nova Guiné) é rapidamente absorvida, detalhadamente analisada, criteriosamente processada e eficazmente arquivada numa ‘neuro-gavetinha’ para ser utilizada na primeira oportunidade que se afigurar conveniente.
Há excepções, no entanto. O sistema métrico é um bom exemplo de um assunto que o rapaz ainda não conseguiu ‘arrumar’. A ver:

“Eu já peso 115. O Tomás pesa 145.”

“Quantos quilómetros mede o nosso prédio?”

“Mãããe, a Teresa pode deixar 150 metros e 5 quilos de leite no biberon?”

Resumindo, mete metros (cúbicos) de água cada vez que se aventura no universo do Sistema Internacional de Unidades.

Ao jantar, estou eu a explicar à Teresa que ela não cresce se não comer o frango que tem no prato, quando sou interrompida pelo Ti:

“Cresces na mesma Teresa, não te preocupes. Quando somos crianças estamos sempre a crescer. Sabias que crescemos 10 milésimas por dia?”

A Teresa sorri, aliviada, e empurra o prato para o lado. Volto a puxar o prato para o sítio enquanto pergunto ao Ti:

“Ah sim, espertalhão? Crescemos dez milésimas de quê, já agora?”

A minha pergunta faz-lhe soar uma campainha a alertar a iminente saída de uma unidade de medida desadequada. Pára, respira fundo, e responde:

“Crescemos 10 milésimas de crescimento, de que é que havia de ser?”

Resolvi fazer as contas para tentar perceber se aquelas 10 milésimas tinham alguma correspondência lógica com alguma unidade de medida: durante a infância crescemos em média 5 centímetros por ano o que dá cerca de 0,014 centímetros por dia equivalentes às 10 milésimas de crescimento, ou melhor, a 1 centésima de crescimento.
Regra de três simples: 0,014 centímetros estão para 1 centésima de crescimento assim como 1 metro está para 71,4 crescimentos.
Conclusão: o Ti mede qualquer coisa como 82 crescimentos. Vou atirar esta ao ar, só para lançar a confusão.


segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

I just wanna be a doctor



Era uma vez uma mãe que adorava fantasias de Carnaval. Por mais que os anos pesassem mantinha um enorme desejo de se enfiar num vestido de Princesa da Disney. Um vestido mágico, cintilante, perfeito, tão diferente dos que existiam quando a mãe era ainda uma menina que adorava fantasias de Carnaval. Nunca o faria pois sabia que, mesmo que todos os astros se alinhassem e lhe proporcionassem um vestido do seu tamanho e uma boa desculpa para o envergar, o melhor que conseguiria parecer seria uma trintona disfarçada de meia-irmã gorda da Cinderela.

Era uma vez uma mãe que adorava fantasias de Carnaval mas sabia que o Carnaval já não era para si mas sim para os seus meninos.

Era uma vez uma mãe que depois de anos e anos a comprar fatos de super-heróis teve uma menina e ansiava pelo momento em que essa menina lhe pedisse um vestido de Princesa. Assim aconteceu e, mesmo faltando mais de um mês para o Carnaval, a mãe correu a comprar o desejado vestido de Princesa. Ao chegar à loja de vestidos de Princesa a mãe viu um fato magnífico do Mike Wazowski que era o personagem predilecto do seu filho do meio. A mãe que adorava fantasias de Carnaval não hesitou e trouxe, além do vestido de Princesa para a menina que gostava de vestidos de Princesa, um magnífico fato de Mike Wazowski para o menino que gostava do Mike Wazowski. Comprou ainda uma máscara de James P. Sullivan para o irmão mais velho que, mesmo estando a entrar na idade de deixar de gostar destas coisas, ainda era menino para alinhar com os mais novos em algumas das suas brincadeiras.

Ao chegar a casa, a mãe entregou às crianças o vestido de Princesa, o magnífico fato de Mike Wasowski e a máscara de James P. Sullivan. A menina ficou radiante e vestiu imediatamente o seu vestido de Princesa. O irmão mais velho achou muita graça à máscara e apressou-se a colocá-la. O irmão do meio agradeceu com um sorriso triste o fato do Mike Wasowski. A mãe, notando o desconsolo do menino do meio, perguntou-lhe porque é que alguém que tinha camisolas do Mike Wasowski, sapatilhas do Mike Wasowski, material escolar do Mike Wasowski e bonecos de vários tamanhos do Mike Wasowski, não estava contente com o magnífico fato de Mike Wasowski. O menino explicou à mãe que o facto de gostar muito do Mike Wasowski não implicava necessariamente que quisesse vestir-se de Mike Wasowski. E acrescentou que o seu desejo era fantasiar-se de médico o que, no seu entender, era vantajoso para si pois era muito menos ridículo e vantajoso para a mãe pois implicava apenas uma bata branca que até já havia lá por casa.

A mãe que adorava fantasias de Carnaval não teve como não respeitar o desejo do menino do meio e devolveu o magnífico fato mas não sem antes convencer o menino a vestir-se de Mike Wasowski por uns minutos. O menino concordou e até quis tirar uma fotografia.
Quiçá para eternizar aquele momento de coragem. 
Quiçá para fazer o gosto à mãe que adorava fantasias de Carnaval.



sábado, 25 de janeiro de 2014

Thank God It's Friday



Quinta-feira. Dez da noite. O Tommy está pronto para regressar às aulas após três dias em casa a curar (mais) uma virose. Dou-lhe as boas-noites e desejo-lhe coragem para enfrentar a chuva e o frio da manhã seguinte.

Deito o Ti e, finalmente, a Té. Noto que está quente. Vou buscar o termómetro que confirma, sem margem para dúvidas,  a minha suspeita.  Deixo-a dar uma corrida pela casa a gritar "NÃO VOU A ECOLA! TOU UENTE! TOU UENTE! QUÉ XAÓPE AZUL!". Dou-lhe o xarope (laranja) que, mesmo não sendo o seu predilecto,  toma com um entusiasmo preocupante.

Sexta-feira. Três da tarde. Chega a notícia de que o Tommy se lesionou na aula de educação física e está no Hospital da Arrábida para fazer um raio-X. Quatro da tarde. O ortopedista analisa o raio-X enquanto o Tommy lhe descreve o incidente "...corria com a bola junto à linha quando sofri uma carga de ombro e bati contra o muro com o cotovelo... ". O médico diz que não há nada partido. Braço ao peito, gelo e anti-inflamatório durante um par de dias deverão ser suficientes para resolver o assunto. O Tommy solta o animal social que há em si e partilha o que lhe vai na alma. Lamenta não poder ir ao treino de hoje e ao jogo de amanhã. Lamenta não poder ensaiar o "Yesterday" dos Beatles  para uma apresentação que vai fazer na próxima semana. Constata (sem qualquer lamúria, saliente-se) que vai ser difícil fazer os trabalhos de casa. Não fosse eu a arrastá-lo do consultório e a conversa ter-se-ia estendido tarde adentro.

Sexta-feira. Nove da noite. O serão está ser um caos. A Glória, que deve ter andado novamente a comer atacadores de sapatilhas, vomitou no chão da sala.  A Té está a aproveitar o estatuto de enferma para não tocar na comida e fazer uma cena feia à mesa destilando todo o seu mau feitio para cima dos rapazes.

O barulho é ensurdecedor: "MÃE, OLHA A TERESA!", "MÃE, ÓIA O TIAGO", "CUIDADO COM O MEU BRAÇO!", "MÃE, A TERESA NÃO COME E ESTÁ A ATIRAR MASSA!", "MÃE, A TERESA MORDEU-ME!", "TU BATÊTE PIMEIO!", "NÃO BATI NADA!", "MÃÃÃÃÃEEEEEE!!!"

Sinto a cabeça a estoirar. Enquanto apanho os pedaços de fusilli à volta da cadeira da Té digo-lhe que está a ser MUITO, MUITO feia. Fica ainda mais desvairada:

"NÃO SÔ FEIA! SÔ MONITA!"

Agarro-a por um braço e levo-a à casa de banho para se ver ao espelho e me dizer se há algo de bonito naquela menina chorosa, desgrenhada, coberta de pedaços de massa. Ela acha que sim.

O Ti assoma à porta e exclama:

"Mãe! Estou a sentir-me mal!"

Boa, só faltava mesmo esta...

"Que é que sentes? Estás enjoado? Dói-te a barriga?"

Abana a cabeça negativamente.

"Então? Estás a sentir-te mal porquê?"

"Estou a sentir-me mal com isto tudo. Tu irritada, a Teresa a chorar..."

A Té pára instantaneamente com a birra e encosta-se ao irmão. O Tommy, que tinha vindo atrás do Ti, abraça-os com o braço que tem livre. Nada como me verem virada do avesso para esquecerem as suas arquiinimizades e se transformarem num conjunto enternecedor de meninos. Olho-os assim, caladinhos, agarradinhos, com um sorriso seráfico e sinto-me culpada por me ter irritado tanto.  

Sexta feira. Dez e meia da noite. Leitinho, xaropes, um beijinho a cada um. Tudo está bem quando acaba bem.

Sábado. Dez e meia da manhã: "MÃE, OLHA A TERESA!", "MÃE, ÓIA O TIAGO", "CUIDADO COM O MEU BRAÇO!", "MÃE, A TERESA NÃO COME O CHOCAPIC!", "MÃE, A TERESA MORDEU-ME!", "TU BATÊTE PIMEIO!", "NÃO BATI NADA!", "MÃÃÃÃÃEEEEEE!!!", "MÃÃÃÃÃEEEEEE!!!", "MÃÃÃÃÃEEEEEE!!!", "MÃÃÃÃÃEEEEEE!!!"

quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

Teresa Pessoa



"Ai que prazer
Não cumprir um dever,
Ter um livro para ler
E não fazer!
Ler é maçada,
Estudar é nada... "

Hoje somos só três no carro. O Tommy foi com o pai ao pediatra. A Té e o Ti vão estrategicamente posicionados junto às janelas. A bem da sua integridade física e da minha sanidade mental é necessário garantir uma distância de segurança entre os dois, geralmente ocupada pelo mano mais velho. À falta deste uso as mochilas como barreira.

O Ti está nervoso:

“Não acredito que vou chegar outra vez atrasado, mãe… já tocou há oito minutos…”

“Pede desculpa ao professor e explica que saímos mais tarde de casa porque o Tommy está adoentado.”

Suspira, com enfado:

“Levantei-me tão cedo… para nada…”

A Té sorri, maléfica. O desapontamento do irmão ilumina-lhe o rosto e aquece-lhe a alma, como um raio de sol a rasgar uma manhã cinzenta. Repreendo-a com um olhar severo através do retrovisor. O Ti continua a medir o atraso:

“Onze minutos…”

“Tem calma rapaz. Se estiveres atento recuperas o tempo perdido.”

“Eu estou sempre atento, mãe.”

“Fazes bem. Se queres ir, como dizes, para a ‘escola dos médicos’ tens de ser um bom aluno.”

“Sim, vou aprender muito e vou ser médico.”

Olho de novo, pelo espelho, para a Té:

“E tu, senhora, queres fazer o quê quando fores crescida?”

Os seus olhitos gigantes brilham antecipando uma resposta que não sei bem se quero ouvir. Arrisco, em todo o caso:

“Diz lá. Queres fazer o quê?”

“NADA!” – responde com uma gargalhada.

O Tiago olha-a, incrédulo, por entre as mochilas:

“Como é possível, Teresa? Vais andar tantos anos na escola para depois não fazer nada?”

Ela puxa a chupeta para o canto da boca e cantarola:

“Nada, nada, nada. Eu não qué fazê nada. Eu não vô fazê nada!”

Quanto mais o Ti lhe tenta explicar que ‘fazer nada’ não é objectivo de vida mais ela  ri e diz "nada, nada, nada". Quanto mais ela ri mais irritado ele fica. Antes de sair do carro ainda me força a chamá-la à razão:

“Estás a ouvir a Teresa, mãe? Não dizes nada?”

“Nada, filho. Já não digo nada. Sai do carro e corre, que já perdeste vinte minutos de aula. A Té vai depois, comigo. Tem tempo, está mais que visto.”


segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

so last century, so what?



O Ti está a jogar Wii. O Tommy está a jogar Xbox. A Té passeia-se entre eles e as televisões numa atitude de ‘estou-aqui-para-vos-importunar-agora-e-para-todo-o-sempre’.

Eu estou sentada em frente ao computador a tentar aceder a um tal de ‘ZONOnline’ que permite, supostamente, ver televisão… que saudades do tempo em que as televisões serviam para ver televisão e os computadores para trabalhar e jogar videojogos…

Quando chego ao site verifico que me faltam duas ‘palavras mágicas’: username e password… ligo ao André. Não atende. Desisto. Decido ir para a cozinha onde tenho a MINHA televisão que é a única da casa que funciona à antiga: um botão para ligar, dois botões para mudar de canal e mais outros dois para ajustar o volume. O suficiente para que eu possa vaguear entre os primeiros cincos canais sem uma luta titânica com o Hdmi1, o Hdmi2, o Hdmi3, o HdmiSide, os Avs, a Box, o comando da Box e um sistema de som xpto com comando próprio que tem a particularidade de estar sempre em parte incerta.

No momento em que desligo o computador, o Tommy, sem desgrudar os olhos do ecrã, pergunta:

“Mãe, nos Estados Unidos há pena de morte não há?”

Imagino que esteja a ponderar quais seriam, no mundo real, as consequências das delinquências virtuais que está a cometer no GTA.  

“Há pena de morte, mas não em todo o lado. Depende da lei de cada estado.”

“Onde é que há pena de morte?”

“Não sei filho. No Texas, por exemplo.”

“E mais?”

“Não sei.”

“Nova Iorque?”

“Nova Iorque só tem perpétua, acho.”

“Achas ou tens a certeza?”

“Já te disse que não sei em que estados e cidades é que há pena de morte. Só sei que são mais os sítios em que ainda é aplicada do que os sítios em que já foi abolida.”

“Em Chicago?”

“Não sei.”

Em Los Angeles?”

“Não sei.”

“Em Miami?”

“Já te disse que NÃO SEI!”

“Detroit?...”

O Ti, que esteve até agora, aparentemente absorto, agitando vigorosamente o seu comando da direita para a esquerda (técnica, segundo ele, para o Sonic ganhar 'velocidade brutal' e que origina com mais frequência do que o desejável o lançamento involuntário do comando contra uma parede) surge em meu auxílio:

“Pára, Tomás! Não insistas! A mãe já te disse o melhor que sabe!”

Eu respiro fundo e sigo para a cozinha. Ligo a televisão para ver o Daily Show. O peso da ignorância impede-me de estar atenta. Pego no telefone. Safari. Google. Wikipedia. "Death Penalty USA". Back. Back. Wikipedia Português. "Pena de morte nos Estados Unidos". O Wi-fi está lento. Definições de rede. Desligar Wi-fi. Activar 3G. Saudades do tempo que os telefones serviam para telefonar e os computadores para trabalhar, jogar videojogos e navegar na net. Mais. Saudades do tempo em que as respostas a quase todas as nossas dúvidas estavam nas prateleiras do escritório, arrumadinhas por ordem alfabética, em dezenas de volumes da saudosa  e infalível Enciclopédia Verbo.


Nota de rodapé:
Graças ao meu filho e ao GTA alarguei ligeiramente o meu "melhor que sei" em relação ao sistema judicial norte americano. Deixo-vos o que aprendi, a título de curiosidade:

“A pena de morte nos Estados Unidos é oficialmente permitida em 36 dos 50 Estados, bem como pelo governo federal. A grande maioria das execuções são realizadas pelos Estados, embora o governo federal mantenha o direito de usar a pena de morte, fazendo isto raramente. Cada Estado que permite a pena de morte possui diferentes leis e padrões quanto aos métodos, limites de idade e crimes que qualificam para esta penalização. Os Estados Unidos da América são o segundo país onde mais pessoas são executadas anualmente; apenas a República Popular da China possui um número maior. A pena de morte é um assunto muito controverso nos Estados Unidos."


Mapa das leis de pena de morte nos Estados Unidos

Azul: sem leis de pena de morte actualmente
                   Laranja: lei de pena de morte declarada inconstitucional
           Verde: Não foram realizadas execuções desde 1976
                Vermelho: Foram realizadas execuções depois de 1976

WIKIPÉDIA, a Enciclopédia livre


segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

the uncomfortable truth



Enerva-me a conversa do “gostas mais do papá ou da mamã?” por variadíssimas razões uma das quais é a minha plena consciência de que a resposta dos meus filhos a esta pergunta obtusa será sempre: “do papá”.

Aprendi a viver como a 'chata de serviço' mas confesso que viveria bem melhor se me fizessem o favor de não verbalizar em demasia esse facto.

Dez e meia da noite de domingo à noite. O FCP foi fazer uma figurinha triste à Luz e escorregou para o terceiro lugar. O pai foi a Lisboa ver a figurinha triste do FCP a modos que vai chegar tarde e com um tremendo mau feitio. Tenho três metros de árvore de Natal para desfazer e milhares de enfeites para organizar e encaixotar. Como se não bastasse para a minha má disposição, os mais novos insistem em não adormecer. Ouço-os discutir:

“Não sou quato, sou pimeio!”

“Desculpa Teresa, mas estás em quarto.”

“Eu qué sê pimeio!”

Dirijo-me ao quarto e tento impor alguma ordem:

“Que se passa meninos? Já viram as horas? O Tommy já adormeceu!”

O Ti encolhe os ombros e justifica-se:

“Eu também dormia, se a Teresa deixasse…”

A Té agarra-lhe a manga do pijama, arregala os olhos e grita:

“QUÉ SÊ PI-MEI-O!”

Antes que se engalfinhem, pego na Té ao colo e pergunto-lhe:

“Queres ser primeiro em quê, Tété?”

O Tiago enterra a cabeça na almofada, suspira e esclarece:

“A Teresa está zangada porque está em quarto. Para mim a Teresa está em quarto, tu em terceiro, o pai em segundo e o Tomás em primeiro.”

Do alto do meu terceiro lugar no pódio, respiro fundo e procuro um modo simples de explicar à Teresinha que estes rankings afectivos não são, de todo, estáticos e que depende essencialmente dela subir uns degrauzitos no coração do mano. Termino com um:

"Se fores muito, muito boazinha para o Ti vais ver que ficas em primeiro. Agora durmam, por favor, de uma vez por todas."

Dou um beijinho a cada um e desligo a luz. A voz do Ti rasga o silêncio:

“Se for boazinha passa para terceiro, mãe. Mais que isso, não. Tu e a Teresa vão sempre ficar atrás do pai e do Tomás. Sabes porquê?”

“Acho que não quero saber, filho…”

Eu não quero mas, como não podia deixar de ser, ele faz obséquio de me elucidar:

“Porque vocês, mulheres, são muito mais irritantes. Só por isso.”

quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

"Quem tem medo da mamã má?"




A Té descobriu há tempos que gosta de canja de galinha e está convencida de que encontrou a solução ideal e definitiva para deixar de comer sopa. Cada vez que lhe apresento um prato de sopa agarra a colher na vertical, bate com o cabo na mesa e reclama: "Não góto de sopa. Não qué sopa! Qué canja!".

Já lhe tentei explicar, sem grande sucesso, que a canja não faz a vez da sopa, mas, sejamos justos: não é fácil para uma menina de três anos perceber como é que algo que se come quando não há sopa, num prato de sopa e com uma colher de sopa, não faz per-fei-ta-men-te a vez da sopa.

Anteontem prometi que ontem haveria canja em vez de sopa ao jantar. Falhei a promessa. Antes que batesse com a colher na mesa, avisei:

“Amanhã comes canja. Vou chegar tarde mas peço à Maria João para fazer, ok?”

“De ceteza?”

“Sim, não me esqueço. Vou deixar-lhe um bilhete na cozinha.”

“Eu axudo a fazê o biête.”

“Eu também!” – diz o Ti, aproveitando para se escapar da mesa (e da sopa) em busca de papel e lápis.

Sentamo-nos no chão.

“Ti, dá-me o papel para eu escrever.”

“Não, mãe. A Teresa dita e eu escrevo. Tu ficas a ver se eu estou a escrever bem.”

Uma infinidade de tempo e vários rascunhos depois, terminámos o simpático pedido que colocámos, bem à vista, em cima da fruteira.

Hoje, à chegada do colégio, a Té corre ao encontro da Maria João e aponta para o papel:

“Miajoão, vite o nosso biête?”

A Maria João finge não ter reparado no bilhete. Ergue-o ao nível do seu metro e oitenta de altura, lê-o e exclama dramaticamente:

“Oh, minha nossa!... Queriam que fizesse canja? Não fiz. E agora?”

A Té, esmagada pela desilusão, apresenta o desfecho se lhe afigura óbvio:

“Agora a mamã vai dáte uma pámada. E eu vou comê sopa.”

sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

magic words


O ano arranca frio e chuvoso. Cenário ideal para ficar por casa. Estamos os cinco a jogar Wii Party. Tarde em família perfeita se não houvesse alguém a atirar-se para o chão aos gritos a cada derrota num mini-jogo. Eu já estou pelos cabelos… o pai vai aguentando a confusão. Tudo em ordem. Os meus queixumes não os afectam, definitivamente. A certo ponto até o pai perde a paciência e repreende o Ti que larga o comando e sai porta fora mas não sem antes ameaçar:

“Pai, voltas a falar assim comigo e…”

“E?..” – pergunta o pai, enquanto faz um salto à vara perfeito com o Mii da Té que está em transe por ir em último.

Olha para mais infinito na esperança de que o infinito lhe indique um modo de sair da situação sem se arriscar a levar uma palmada:

“…e… não falo mais contigo.”

A Té rejubila com a sua pontuação e sorri malvada ao ver o Ti desaparecer em direcção ao quarto.

Espero cinco minutos. Não regressa. Vou procurá-lo. Está enfiado na cama. Sento-me a seu lado e afago-lhe o cabelo.

“É um bocado cedo para vires dormir, rapaz…”

“Não vou dormir. Estou deitado porque estou amuado.”

“Isso já percebi eu.”

Atira o edredão para trás e sai da cama num salto. Olha-me de soslaio. Com um leve sorriso, diz:

“Ok. Disseste as palavras mágicas, posso regressar.”

Começa a caminhar em passitos rápidos de volta para a sala. Sigo-o.

“Que palavras mágicas?”

Sem se voltar para mim, estaca e explica:

“As palavras ‘isso-já-percebi-eu’. Quando estamos amuados queremos que os outros percebam. Percebes?”

Percebo. Percebo também que se encontrarmos as palavras mágicas certas para cada problema tornamos a vida bem mais fácil. 
Keep it simple. Keep it magic.