quinta-feira, 15 de outubro de 2015

"TOU XIM?! É PRA MIM!!"



O início de cada ano lectivo faz-nos mergulhar na problemática das actividades extra. A coisa desenvolve-se mais ou menos assim, em dez passos:

Primeiro passo: perguntar aos miúdos quais são as actividades em que se querem inscrever.

Segundo passo: explicar aos miúdos que as variáveis horário, preço e vagas interferem de um modo mais ou menos efectivo na sua escolha.

Terceiro passo:  chegar a um consenso. Este passo tem uma duração média de três a quatro dias. 

Quarto passo: preencher o formulário de inscrição.

Quinto passo: corrigir o formulário de inscrição em função de mudanças de opção de última hora.

Sexto passo: lembrar à Té que, neste momento, escusa de chegar à conclusão que afinal nasceu para a informática, para o judo e para a ginástica acrobática pois vai ser inscrita no xadrez, na natação e no ballet.

Sétimo passo: submeter o formulário.

Oitavo passo: aturar o choro da Té (porque já me disse mil vezes que não quer ir para a natação e "eu não quis saber da sua vida e inscrevi-a sem a sua autorização") e mostrar-lhe que quero, sim, saber da sua vida, razão pela qual, enquanto não tiver a certeza de que ela se aguenta bem à tona de água, a natação não é opcional mas obrigatória.

Nono passo: receber um email do colégio a confirmar, em função das vagas e horários disponíveis, as actividades que os miúdos vão frequentar. 

Décimo passo: informar os miúdos das actividades em que ficaram colocados. Ignorar as queixas da Té.

Este ano o Ti ficou fora do órgão por falta de vagas e fora do xadrez por ser à mesma hora do futebol. 
O xadrez não me preocupou. Quanto ao órgão, insisti com o colégio para que tentasse a todo o custo arranjar uma vaga. 
As semanas passaram-se sem que chegasse o bendito email a confirmar que a vaga tinha surgido. Não só por termos gasto dinheiro num órgão mas essencialmente por achar que faz bem ao rapaz desenvolver a sua veia musical (e também, confesso, por estar a ficar farta do repertório actual que não vai muito além do "Balão do João" e do "Noite Feliz") voltei a enviar um email, desta feita ao professor principal. A resposta foi quase imediata transmitindo-me que o Ti está a frequentar a actividade desde o inicio do mês!

Tiago Manuel, obrigadinha por me fazeres fazer figura de ursa.

Ligo ao Tommy para confirmar se o professor não estará enganado.

"Olá mãe, tudo bem?"
"Tudo mais ou menos. Queria confirmar se sabes se o teu irmão tem ido às aulas de órgão."
"O quê? Não percebi o que disseste. Está muito barulho aqui. Podes repetir?"
"Não devias estar na sala de estudo?"
"Não ouço. Vou para outro sítio."

Falar com o Tomás ao telefone é sempre assim. 
Insisto:

"Queria confirmar se sabes se o teu irmão tem ido às aulas de órgão!"
"O meu irmão o quê?"
"ÓRGÃO! O TIAGO TEM IDO AO ÓRGÃO?"
"Ah... o órgão. Não sei."
"Ando eu aqui a chatear toda a gente por causa da vaga no órgão e recebi agora um e-mail do Professor do Ti a dizer que ele está nas aulas..."
"Desculpa mãe, não ouvi bem. O Professor do Tiago disse o quê? Espera..."

E desliga-me o telefone. 
Desisto. Falo com eles quando chegar a casa. 
Liga-me de volta passados dois minutos. 
Respiro fundo para aguentar mais uma série de "o quê", "não ouço" e "repete por favor". Agarro o telefone e, no meu melhor sotaque serrano, grito:

"TOU XIIIIIM!!" 
(quem não se lembra do anúncio da Telecel?)

Há um estranho silêncio do lado de lá da linha. Antes que eu tenha oportunidade de repetir a graça, ouço um tímido:

"Boa tarde, fala o professor André..."

Depois de me confirmar que está tudo em ordem com as aulas de órgão do Tiago, o professor devolve o telefone ao Tomás que, entre risos, me faz saber que o meu "TOU XIIIM" se ouviu num raio de alguns metros.

Obrigadinha Tiago, por me fazeres fazer figura de ursa... duas vezes.



quarta-feira, 27 de maio de 2015

Não obrigarás a tua mãe a ler-te uma história nos dias em que o pai descarregou um filme novo.




Hora de dormir. Televisão ou história? O Ti quer televisão. A Té quer história. O Tommy  aceita qualquer que seja a opção dos irmãos desde que possa continuar no seu canto, agarrado ao telemóvel, durante mais uns minutos.

“Meninos… decidam-se.”

Não se decidem. O Ti já pôs a andar o novíssimo “Big Hero 6”. A Té está a empilhar livros na cabeceira da minha cama. Estende-me a Bíblia para crianças. Estou cansada, sem vontade de discutir. Abro o livro.

“Ora vamos cá ver onde é que ficámos da última vez… Moisés sobe o monte Sinai.

A Té sorri:

“Conta mamã.”

Peço ao Ti para baixar o volume da televisão. Começo a ler:

O cimo do monte estava coberto por uma espessa nuvem de fumo…

Quando chego aos dez Mandamentos a Té já tem um olho no livro e o outro no Big Hero 6.

“Teresinha... se não queres ouvir a história, vou à minha vida e ficas aqui a ver o filme com os teus irmãos…”

Olha-me com olhinhos doces (bem... um olhinho doce) e dá uma palmadinha no livro como que a ordenar gentilmente que continue.

“Então vamos lá… Há um só Deus. Não farás deuses de material algum e só a Deus adorarás…O nome de Deus é especial e sagrado. Não o uses mal… O sétimo dia é um dia sagrado. Guarda-o para adorares a Deus e descansares do teu trabalho…”

“Mamã… qual é o sétimo dia?”

“Domingo.”

O Tiago, como não podia deixar de ser, lança a confusão:

“Esse mandamento não devia ser assim. Há muita gente que não pode descansar ao domingo… as pessoas da fábrica do pai, os médicos, as meninas do supermercado…”

“Ti… como deves imaginar, não existiam fábricas, hospitais e supermercados do tempo de Moisés… querias ver o Big Hero 6 ou ouvir uma história?”

Avanço:

Ama e respeita os teus pais… Não mates ninguém… Não roubes a mulher ou o marido de alguém… Não roubes nada a ninguém…

O filme está a ganhar ritmo a cada segundo que passa e eu tenho de levantar a voz para me fazer ouvir acima do ruído ambiente:

NÃO MINTAS A NINGUÉM… NÃO COBICES A MULHER OU MARIDO DE ALGUÉM…NÃO COBICES AS COISAS DOS OUTROS… ALGUÉM ME ESTÁ A OUVIR?!?!”

A Té acena afirmativamente mas já não faz sequer o esforço de olhar para mim. Com os dois olhinhos fixados definitivamente no ecrã grita:


“SIM MAMÃ! OUVIMOS! NÃO TE PREOCUPES QUE NÓS NÃO FAZEMOS NADA DISSO!”   

domingo, 10 de maio de 2015

I intend to...



Maio. Mês de Maria.

"Ti, entregaste no colégio a carta a Nossa Senhora com os pedidos e intenções?"
"Sim, mãe."


"Na nossa sala 'tamém' fizemos uma carta à Maria!" - grita a Teresinha.
"A sério? E o que é que tu pediste?"
"Pedi para aprender a partilhar os brinquedos com os amigos."
"Bem pensado Té. Saber partilhar é muito importante."

O Tiago franze o sobrolho e sussurra-lhe:
"Fazias bem era se tivesses pedido para aprender a não picar os miolos dos teus irmãos."

Rio-me. Tento confortá-lo:
"Tens razão Ti. Mas sabes que, para a tua irmã, esse é um objectivo demasiado ambicioso..."

A Té olha-me de soslaio sem negar a evidência.
O Ti suspira. Põe a mão no ombro da irmã e, com serenidade, diz-lhe:
"Para deixares de nos chatear precisavas de muita, mas mesmo muita ajuda de Nossa Senhora. Mais... precisavas de ajuda do próprio Deus. Mesmo assim, duvido que conseguisses."

quinta-feira, 30 de abril de 2015

"Quero uma folga!"



Preparamos-nos para sair de casa. Mochilas, lancheiras e casacos perfilados no hall de entrada. Hoje são apenas a duplicar, uma vez que o Tommy está adoentado. O Ti rosna de indignação. Diz que merece uma folga. Contas suas, os irmãos já faltaram mais dias ao colégio no último mês do que ele desde o início do inverno. Digo-lhe que devia estar contente por não adoecer com tanta facilidade. Enfurece-se. Como posso eu atrever-me a dizer tal disparate? Como pode alguém, no seu perfeito juízo, comparar um duro dia de aulas com um dia passado, em pijama, no sofá, a ver televisão? Mudo de estratégia. Pergunto-lhe se não fica orgulhoso por saber que o seu corpo está cada vez mais resistente a todo o tipo de infecções. Responde que não. Lamenta ter sido operado à garganta. Recorda com nostalgia os tempos em que as suas amígdalas o presenteavam regularmente com períodos de descanso no aconchego do lar. 

Os dias passam. O Tommy recupera. A Té reveza-o. O Ti desespera.

Eis que... subitamente, surge uma tosse. Uma tosse rouca, funda, daquelas que inspiram alguma preocupação.

“Mãe, acho que estou a ficar doente!”
“Não sei rapaz… não tens febre. Mas talvez seja prudente seres auscultado.”

A tão desejada folga parece estar, finalmente, a chegar. Os seus olhinhos brilham de alegria. Mal pode esperar pela consulta.

O veredicto não é o esperado. Não precisa de ficar em casa. Uma colher de Broncoliber durante um par de dias deverá ser o suficiente para resolver o assunto. Está mais furioso do que nunca.

“Não vou tomar isso!”
“E pode-se saber porquê?”
“Não tomo xarope para broncos!”


quarta-feira, 15 de abril de 2015

Mom's on a diet



Mãe, porque é que estamos a parar no supermercado?
Porque eu preciso de ir ao supermercado?...
Mas o pai já foi hoje!
Eu sei que o pai já foi mas eu vou começar amanhã uma dieta e faltam-me algumas coisas que o pai, certamente, não comprou.
Dieta? Para que é que vais fazer dieta?
Para derreter aquilo que as roupas de inverno tapam e as de verão não.
Nós também vamos fazer dieta?
Não, vocês não precisam.
Porque corremos muito, não é?
Sim, não só mas também.
Podemos levar estas bolachinhas de manteiga?
Não precisarem de dieta não significa que possam passar a vida a comer coisas que fazem mal à saúde.
Mas… já não compras destas bolachas em latinha há muito tempo. Vá lá…
Ok, tragam a lata.
E estas, com chocolate?… Para o Tommy. Ele adora…
Só mais essas. Agora vamos aos legumes.
Eu peso os legumes!
Eu é que peso!!
Ninguém pesa. Aqui só a menina da caixa é que pesa.
Então eu ponho no saco!
Eu é que ponho no saco!!

Deixo-os à luta com os brócolos e dirijo-me para as carnes.

Mãe, espera por nós!
Venham!
Precisas destas almôndegas?
Não. Preciso de bifes de peru.
Bifes de peru, bifes de peru… estão aqui!
Agora fiambre.
Tens aqui fiambre, mãe!
Esse não. Quero fiambre de peru.
Fiambre, fiambre… fiambre de peru! Encontrei!
Salsichas. Vejam se encontram salsichas de peru.

Eles procuram. Eu procuro. Não encontramos.
Menina, desculpe, há salsichas de peru? Só em lata, no fim do corredor, diz a menina. Muito bem. Passaremos por lá à saída.

Agora… queijo!

Correm desenfreados para os queijos.

Não digas nada mãe, já sabemos! Queijo de peru!


quinta-feira, 9 de abril de 2015

Há(aargh) finais de tarde assim




Chego cedo a casa. Pela janela aberta da cozinha entra a luz morna do fim de tarde. Vejo as nuvens pinceladas em tons coral e quase me atrevo a sentir um cheirinho a verão. O Ti está no quarto a fazer uma ficha de língua portuguesa. O Tommy prepara-se para começar uma apresentação de powerpoint sobre o George Orwell. A Té, ao contrário do costume, não está a tentar impedir os irmãos de trabalhar e diverte-se sozinha com uma bola, no corredor. 

Sinto uma paz flutuante que inunda a casa e a minha alma. Há finais de tarde assim.

Tenho de pensar no jantar. Abro o frigorífico em busca de uma ideia. Atrás dos sumos e do tupperware da sopa vejo-a a sorrir para mim. Uma tónica Schweppes esquecida a um canto desde que os dias se tornaram frios demais para bebidas tónicas. 

Tenho de pensar no jantar mas primeiro vou preparar um gin tónico. Nada como um gin tónico para celebrar o primeiro final de tarde do ano com cheiro a verão. Gelo, preciso de gelo. O mais provável é não ter gelo. Um bom final de tarde pede um gin tónico tanto quanto um gin tónico pede gelo. Esgravato as gavetas do congelador em busca de uma pedrinha que seja. Pelo caminho tiro uns bifes que ponho a descongelar. Já não sinto os dedos das mãos quando, finalmente, a descubro. Tão antiga, certamente, como a garrafinha de Schweppes. Serve. Um bom final de tarde pede um gin tónico mesmo que não seja o melhor dos gins tónicos. Deixo a pedrinha a arrefecer o copo e vou espreitar os miúdos. A Té já largou a bola e prepara-se para fazer um desenho. 

Volto para a cozinha. É cedo. Talvez tenha tempo de fazer um doce para a sobremesa. Gelatina em camadas. A única que, à data, reúne consenso por estas bandas. Oito camadas. Doze minutos cada uma. Tenho tempo, claro que tenho tempo. Perfilo um arco-íris de pacotes royal no balcão e observo-os enquanto provo o gin tónico. Mesmo com gelo fora de prazo sabe-me pela vida. O céu continua numa dança de cores quentes fazendo brilhar as gelatinas que começo a dissolver em copinhos.

Um grito irrompe o meu sonho de fim de tarde de verão:
“MÃÃEEE!!!!! A TÉ ESTÁ A INRRITAR-ME!!!”

Respiro fundo.
“TÉ! DEIXA O TEU IRMÃO EM PAZ. VEM CÁ.”

Não vem. Coloco a primeira camada de gelatina no congelador, dou um golinho no meu gin tónico e vou apaziguar os ânimos dos mais novos. A Té está a desenhar bandeiras da Alemanha. O Ti não compreende a sua fixação com os germânicos e tenta convencê-la a desenhar a bandeira de Portugal. 
"A Alemanha é melhor!"
"Não é nada!! Tu és portuguesa tens de gostar mais de Portugal."
"Mas eu gosto mais da Alemanha. A Alemanha ganha sempre no futebol."
"Isso é mentira."
"Ganhou o mundial. Pimba, pimba..."

Proponho a ida de ambos para o banho na esperança que a água tépida lhes dissolva a quezília. Começo a encher a banheira.

"MÃE! PODES VIR VER SE A APRESENTAÇÃO ESTÁ A FICAR BEM?"

Vou espreitar. O que está feito parece bem mas é ainda muito pouco. 
"Isso não é o texto da wikipédia?"
"É, mas na parte da biografia o professor autoriza tiremos a informação da wikipédia... e este é o slide da biografia."
"Chama-me quando passares a um slide que não seja um copy-paste, ok?"

O despertador avisa-me que está na hora de colocar mais uma camada de gelatina a arrefecer. A Té já corre nua pela casa. 

"Té, já para a banheira! TIAAAGOOO, ANDA PARA O BANHO!"

Preparo o caldo de galinha para o arroz. 

"MÃÃÃEEE!!! PODES VIR FAZER ESPUMA?"

Sempre a mesma coisa. Se faço espuma, não queriam banho de espuma. Se não faço espuma, lembram-se de que gostam de banho de espuma.

"AGORA JÁ NÃO DÁ!"

Terceira camada de gelatina. 

"MÃÃÃEEEE!! A TÉ ESTÁ A TENTAR FAZER ESPUMA!"

Lavo a alface.

"MÃÃÃEEEE!! A TÉ ESTÁ A ATIRAR ÁGUA PARA O CHÃO!"

Olho o céu lá fora em busca da paz que parece escoar-se pela janela a cada grito dos miúdos. A pedra de gelo já derreteu. Dou mais um golinho. Ainda está fresco. Confirmo, no temporizador do telefone, se tenho tempo de ir lavar-lhes o cabelo antes da próxima camada. Dois minutos. É pouco. Espero pela próxima.

"MÃMÃÃÃÃ!! O TIAGO BATEU-ME!!"
"NÃO BATI NADA!! SÓ A EMPURREI!!" 
"MÃEEEE!!!! O TIAGO ESTÁ A DIZER QUE EU SOU MÁ!!!"

Grito da cozinha:
"E ÉS BOA, POR ACASO?"

Resposta do lado de lá:
"ÀS VEZES!"

Quarta camada de gelatina. Dou um gole rápido no gin tónico que já não me sabe tão bem como os primeiros, tempero os bifes e vou lavar as cabeças dos miúdos. A Alemanha continua a ser o centro da conversa. Agora discutem se a nossa ida à Alemanha vai ser de avião ou de auto-caravana como se tivessem autonomia para não só decidir os destinos de férias em família como também para escolher o meio de transporte.

"Auto-caravana é muito melhor!"
"Avião é mais rápido!"
"Mas pode cair..."  
"AVIÃO!"
"AUTO-CARAVANA!"
"A-V-I-Ã-O!!!!"
"A-U-T-O-C-A-R-A-V-A-N-A!!!"

O temporizador já toca de novo. Corro à cozinha. Quinta camada. 

"MÃE!! PODES VIR VER ESTE SLIDE?"
"JÁ AÍ PASSO."
"MAAAMÃÃÃÃ!!! O TIAGO PÔS CHAMPÔ NO MEU OLHOOOO!!!
"MÃÃÃEEE!!! A TÉ ACERTOU-ME COM O GEL DE BANHO!!!

Corro à sala para espreitar o powerpoint do Tommy. Volto à cozinha. Ponho o arroz no tacho. Corro à casa de banho e arranco, a custo, os outros dois da banheira. 

"MÃÃÃEEE!!! OS PIJAMAS?"

Bolas, esqueci-me dos pijamas. Corro aos quartos. Pego nos pijamas de cada um que atiro para dentro da casa de banho. Regresso quando o arroz já está a estalar. O temporizador avisa que está na altura da sexta camada. 

"MÃE, PODES VIR AQUI?"
"MÃÃÃEEE, OLHA A TÉ!!!"
"MAMÃÃÃ, OLHA O TIAAAAGOOO!!!"

"JÁ VOU!! TENHO SÓ DE TRATAR DA GELATINA E DEITAR O CALDO NO ARROZ E JÁ VOU!!"

"MÃÃÃÃEEEE!!!"

Abstraio-me da gritaria por uns breves segundos. Olho, mais uma vez, pela janela. Os tons coral do céu já se foram. 
Estendo a mão para o meu gin tónico para um último gole na derradeira tentativa de resgatar o cheirinho a verão que parece diluir-se no cair da noite. Tentativa que poderia ter tido algum sucesso se não tivesse, por engano, agarrado o copo com o caldo de galinha em vez do copo de gin. 

"AAAARGH!!! JÁ VOU MENINOS, JÁ VOU! TENHO SÓ DE ESCOVAR OS DENTES E JÁ VOU!"


quarta-feira, 25 de março de 2015

Quando eu for grande...




"Mamã... quando todas as pessoas do mundo morrerem nascem novas pessoas, não é?"

Pergunto-me porque estará a minha filha a questionar a continuidade da espécie humana. Respondo-lhe com um:

"Todos os dias morrem e nascem pessoas para que o mundo nunca fique sem gente."

Sorri, satisfeita.

“Morrem as pessoas que estão muito velhinhas e nascem bebés, não é mamã?”

Aceno afirmativamente. Ela sabe que eu sei que ela sabe que não é preciso ser muito velhinho para partir. Eu sei que ela fica contente quando eu digo que vamos todos durar muito tempo mesmo sabendo que ambas sabemos que a longevidade não é garantida para ninguém. Mas mais vale morrer amanhã convencido que de que se vai viver cem anos do que viver cem anos a achar que se vai morrer amanhã.

“Mamã, quando tu fores muito, muito velhinha…”

“…tu já vais ser entradota.”

Ri-se.

“Já vais ter filhos e netos.”

Franze o sobrolho. Imagino que tenha alguma dificuldade em se ver no papel de “avó Teresa”.

“Já sabes quantos filhos vais ter?”

Levanta no ar a mão que tem livre (a outra está ocupada com duas fatias de pão de forma) e estica os deditos. O médio e o anelar estão amarrados a uma tala pelo que, à vista, só há três. Finjo-me confundida:

“Não sei bem quantos dedos contam nessa mão…”

“Cinco.”

“Cinco filhos?!”

Olha atentamente para a mão. Polegar, indicador, tala, mindinho.

“Quatro, mamã. É melhor contar só quatro.”

“Muito bem. Já vi que vou ter muitos netinhos. E como é que eles se vão chamar?”

“Isso ainda não dá para dizer. Mas já te posso dizer quem vai ser o pai.”

Fiquei assim a saber que o H. vai ser o pai dos meus netos. Não sei se o “avô André” vai achar graça à conversa. Vale o facto de o H. ser do Fcp. Ambas sabemos que isso faz TODA a diferença.


quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

Diz que disse



Diz que houve, no colégio, uma sessão sobre nutrição para todo o primeiro ciclo.

Diz que o Tiago participou activamente no período destinado a perguntas e respostas. Diz que uma das perguntas que fez foi quanta água devíamos beber por dia. Diz que após a confirmação de que temos de beber mesmo muita água, levantou o braço no ar e disse bem alto: 
“Eu bem digo ao meu avô para beber água, mas ele só bebe vinho!”

Diz que toda a plateia soltou uma valente gargalhada. 

Diz que o avô diz que isto não vai ficar assim.




quinta-feira, 5 de fevereiro de 2015

Yes, we collect!



Chove torrencialmente. Estou estacionada à porta do colégio à espera dos rapazes. A Té já está comigo. Pergunta o que trouxe para o lanche. Passo-lhe a lancheira. Sorri ao ver uma garrafinha de compal essencial kids. Não pelo compal kids (que é o irmão que bebe) mas pela garrafinha que lhe falta na sua colecção de garrafinhas de compal kids. Além dos clássicos cromos, a minha filha colecciona tudo o que se possa imaginar. “Mamã, não deites fora que é para a minha colecção” é algo que ouço quase todas as vezes que abro a tampa do nosso balde do lixo reciclável. Tampinhas, garrafas plásticas, etiquetas de roupa, panfletos, catálogos, palhinhas, saquinhas de papel, tudo é alvo da sua necessidade de acumulação de bens inúteis.

Os rapazes chegam, despejam as tralhas na mala e entram para o banco de trás. Antes que eu tenha tempo de perguntar como correu o dia, a Té já está a obrigar o Tommy a beber o compal kids.

“Então meninos? Esses testes?”

“Bem.”

“E os resultados do concurso de cálculo mental, Tiago?”

Pelo retrovisor vejo o seu sorriso rasgado a transbordar alegria pelo espaço sem dentes.

“Ganhei!”

“Boa miúdo! Qual foi o prémio desta vez? Troféu, medalha ou diploma?”

“Diploma. Dou-to em casa. Pões numa moldura, como os outros?”

“Sim, claro. Na casa nova vamos ter de arranjar uma parede só para os vossos diplomas.”

A Té não quer saber nem do teste de ciências do Tommy, nem do teste de Inglês do Ti e muito menos dos resultados do concurso de cálculo mental. Quer mostrar que já tem a garrafinha do feiticeiro. O Tommy esforça-se (com pouco sucesso, diga-se) por aparentar algum interesse na colecção da irmã. Eu digo-lhes que no meu tempo também fazíamos colecções. Conto-lhes que fazia colecção de latas e tinha mais de quinhentas.

O Tommy, que já mergulhou no Clash of Clans, desgruda momentaneamente os olhos do telefone  e exclama:

“Latas?! Latas de Coca-cola e assim?”

“Yep.”

“Quinhentas? Todas diferentes?”

Os olhos da Té brilham. Ainda não se tinha lembrado de começar a juntar latas.

O Ti está sério. Vejo na sua expressão que não compreende este entusiasmo coleccionista. Levanta o braço no ar, como se estivesse a pedir permissão para falar na sala de aula.

“Só uma coisa… qual é o interesse de fazer colecção de garrafas, latas ou tampas se não servem para nada? Eu já decidi, vou fazer colecção de prémios.”

Isto de coleccionar prémios não é para quem quer, é para quem pode mas algo me diz que o rapaz se arrisca a ter uma rica colecção.


segunda-feira, 12 de janeiro de 2015

Não fui eu!



Nos dias que correm a minha prole só vê o Disney Channel. Longe vão os tempos de glória do Canal Panda em que eu ficava pelos cabelos com o Noddy, com o Ruca e com a Vila Moleza. Até o Nickelodeon, casa do lendário SpongeBob e dos enervantes iCarly e Drake and Josh, foi praticamente votado ao esquecimento.

Agora é, definitivamente, tempo de séries Disney. É tempo de Violetta, Jessie, O meu cão tem um blog e Austin & Ally. Tempo de meninas e meninos todos iguais, em cenários com mais cores do que um pack de 48 molins, a dizerem disparates que seriam difíceis de aguentar mesmo sem a agravante de nos chegarem dobrados em português. Honrosa excepção feita ao Phineas e Ferb, que surge como um verdadeiro bálsamo no meio da grelha de programação, tudo o resto que passa no Disney Channel é absolutamente in-su-por-tá-vel.

Perco a conta às vezes que peço para baixarem o volume, para mudarem de canal ou (quando já esgotei a paciência) para desligarem a televisão.

Sábado de manhã. Estou sentada no sofá. O Ti e a Té estão a tomar o pequeno-almoço na mesinha pequena da sala. A televisão está no 40, como não podia deixar de ser. Um rapazinho e uma rapariguinha que nunca vi antes estão a ponderar o cancelamento de uma festa uma vez que a senhora idosa (a babysitter?) que está sentada no sofá, agarrada a uma taça de pipocas, acabou de falecer.

“Meninos, isto é demasiado mau! Que série é esta?”
Entre duas colheres de Chocapic a Té murmura:
“Não fui eu.”
“Eu não quero saber quem é que pôs no Disney. Quero saber o que é isto que está a dar.”
"Não fui eu."
Viro-me para o Tiago:
“Que série é esta Ti?”
“Não fui eu!”
“Endoideceram? Já percebi que foi o Tommy. Mas o Tommy não está aqui agora e são vocês que estão a ver esta idiotice. Importam-se de me dizer o nome da série?”
Suspiram e dizem em coro:
“Não fui eu! é o nome da série, mãe…”

Agora é tempo de Violetta, Jessie, O meu cão tem um blog, Austin & Ally e Não fui eu. Aposto que ainda vai haver um “Não te irrites, mãe. Já estou a desligar”.

quinta-feira, 8 de janeiro de 2015

Happy New Year



Noite de Passagem de Ano. O pai teve de arrancar para a fábrica antes das dez pelo que jantámos bem mais cedo do que o habitual. Que havemos de fazer até à meia-noite? Uno Attack? Boa ideia, vamos a isso. O primo Manel é muito pequeno para jogar por isso fica com a função de carregar no botão do lançador de cartas. A coisa corre estranhamente bem. Tão bem que a Té insiste em repor sistematicamente o baralho no lançador tornando o jogo interminável. Ao fim de quarenta e cinco minutos eu peço ao Tommy para me substituir. O jogo acaba pelas onze. Parece que ganhei. Está visto que para ter sorte preciso mesmo de ter alguém a segurar nas cartas por mim. 

E agora, que fazemos? Esperamos. Já só falta uma hora. Uma hora passa num instante. 

“Mãe... quando é que vamos para casa?”

“Quando for meia-noite.”

“Só?!”

“Ti, já te disse que é noite de passagem de ano. Temos de esperar pela meia-noite. Brinca mais um bocado.”

“Já não sei a que brincar.”

“Joga qualquer coisa no meu iPad.”

“Não posso. O Tomás está com ele.”

“Tommy! Não instales mais jogos no meu iPad se fazes favor…”

“Não é um jogo, mãe. É uma coisa importante.”

“Que coisa importante?”

“Depois vês, ok?”

Dou meia volta e vou até à sala onde avós, bisavós, tios e primos conversam animadamente. 

Onze e meia. Talvez seja melhor começar a tratar das passas e das uvas (para os que,como eu, não comem passas). Conto três dúzias de uvas que coloco em três copinhos.

“Meninos, segurem aí nas vossas uvas.”

O Ti agarra o copo, espreita para o fundo e resmunga:

“Eu não vou comer isto.”

“Vais sim. “Isso” são uvas. Bem boas, por sinal."

“Porque é que eu tenho de comer uvas?”

“À meia-noite comemos doze uvas cada um. É tradição.”

“Tradição?”

“Sim, tradição. Para dar sorte para os próximos doze meses.”

“E se não comer todas como é que se sabe quais são os meses em que vou ter azar?”

“Não se sabe.”

“Não tem lógica nenhuma, isto das uvas.”

Afasta-se, resignado, com o copo das uvas na mão.

Onze e cinquenta. É melhor ligar a televisão, para estarmos atentos às doze badaladas. Na tvi, de preferência. Estas galas não são o que eram no tempo do saudoso BigBrother do Zé Maria mas passar o ano sem a (sempre enervante) Teresa Guilherme não é passar o ano.

Onze e cinquenta e cinco. Tudo em posição à volta da mesa. Taças de champanhe a postos. Talvez seja melhor não subirmos para estas cadeiras que são pouco estáveis. Antes que tenha tempo de partilhar esta minha preocupação já vejo metade da família a empoleirar-se nas cadeiras. 

O Tommy surge a correr ostentando orgulhosamente o iPad onde conseguiu ligar-se ao pai via Skype. Levanto alto o iPad para que o André possa, no recato do seu gabinete, ver as caras de todos os que lhe desejam uma boa passagem de ano.

É agora! Dez… nove…

O Tommy começa a gritar. A cadeira (pouco estável, eu bem digo) fechou-se no momento em que tentou subir e está com o tornozelo preso. Peço desculpa ao André e “pouso-o” na mesa. Quando consigo libertar o pé do meu filho já está tudo a brindar e a gritar “Bom Ano!!”. 

Volto ao André que passou os últimos segundos de 2014 a observar as decorações de Natal que a minha mãe tem suspensas no tecto da sala. "Bom ano, meu querido. Tommy, Té, Ti! Venham dizer bom ano ao pai!" 

Tomás, O Estouvado, saúda o pai com aquele sorriso delicioso que só ele sabe fazer. 

Teresa, A Romântica, fica agarrada ao iPad a fazer festinhas ao papá. 

Tiago, O Pragmático, ainda está em cima da cadeira. Comeu só metade das uvas. Ajudo-o a descer com a conveniência de nem mencionar o costume do pé direito.

“Bom ano Tiago! Brinda comigo com o teu copo de uvas.”

“Brindar também dá sorte?..”

“Brinda lá e cala-te. Dá um beijinho a todos e depois veste o casaco. Agora sim, está na hora de irmos para casa."

“Mãe, só uma coisa...”

“Sim…”

“Porque é que, só por ter mudado o ano, fica toda a gente tão entusiasmada?"

segunda-feira, 5 de janeiro de 2015

Number, please?



“Estou, mãe…”

“Então filho, está tudo bem?”

“Tudo. Estou a ligar porque ainda não me mandaste o número.”

“Enviei-te de manhã o contacto por mensagem.”

“Não recebi nada.”

“Como não? Espreita lá.”

“Espera aí então…”

….

“Tommy…”


“Tommy…”

….

“TOMMY! ESTÁS Aí?”

“Sim mãe. Não tenho mensagem nenhuma. Podes dizer-me o número?”

“Espera que vou ver nos contactos. Não desligues.”


“Tommy…”

“Sim, mãe.”

“Tens um papel onde apontar?”

“Não… mas tenho o Tiago. TIAAAGO! DECORA AÍ O NÚMERO QUE VOU DIZER!”


Ultra Té



A sequência interminável de aniversários nesta quadra natalícia pôs a Té a pensar no seu e, mesmo estando a três meses de distância do grande dia:

Já sabe que quer um bolo com a equipa da Alemanha (é o que dá ter acordado para a bola num ano em que os germânicos limparam sem espinhas o mundial de futebol);

Já decidiu o local da festa;

Já está a fazer a lista dos convidados. Preocupação número um: "Mamã, posso convidar benfiquistas?"



domingo, 4 de janeiro de 2015

Birthday stars



Este ano o meu aniversário foi celebrado com um pequeno jantar em casa dos avós. A Té indignou-se por ter convidado pouca gente: "Mais gentes dava mais jeito, mamã... na minha festa quero todas as gentes!"

Não sei se por falta de 'gentes' ou pela constipação que teima em não passar, ficou com sono mais cedo do que os irmãos. 

"Vamos para casa, mamã... os manos vão depois, com o papá."
"Ok, fofinha. Veste o casaco, o gorro e as luvas. À noite está gelada e tu não podes apanhar frio."

Metemo-nos ao caminho, de mãos dadas. Olho-a de cima. O narizito arrebitado, o casaco comprido e o passo firme fazem-na parecer uma miniatura de pessoa crescida. Paramos no semáforo que está vermelho para os peões. Sorrio-lhe. Ela sorri de volta e levanta a mão em direcção ao céu.

"Estás a ver as estrelas a brilhar?"
"Estou. Estão muito bonitas."
"Sabes o que dizem, mamã?"
"Não, não sei."

Olha-me complacente. 
"Que dia estamos hoje?"
"Dia 30."
"Quem faz anos hoje?"
"Eu."
"Então que achas que dizem as estrelas?"

O semáforo já está verde mas nós mantemo-nos imóveis, de mãos dadas e olhos no céu.
"Não sei Teresinha. Diz-me tu."

Ergue a sua luva no ar o mais que consegue e, como que apontando uma frase num quadro, mostra-me o óbvio que eu ainda não tinha conseguido ler:
"PARABÉNS MÃE! Não acredito que não tinhas reparado."
"Não tinha mesmo, minha linda. Ainda bem que me mostraste. Olha, o semáforo está vermelho de novo..."
"Não faz mal. Esperamos que fique verde 'outa' vez. Olha para a lua! Também te está a dar os parabéns!"

Aceno aos astros e agradeço:
"Obrigada estrelas! Obrigada lua!"

Obrigada Té, pela tua magia.